A ex-ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares Ana Catarina Mendes considera que deve ser dado tempo à Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) para se instalar e testar soluções para os problemas.

Num artigo de opinião escrito no jornal Público desta semana - confortavelmente sem qualquer contraditório, não obstante o DN lhe tenha endereçado frequentemente várias questões às quais não respondeu - a agora candidata a eurodeputada pelo PS, que foi a responsável do Governo pela criação da AIMA, discorre sobre as críticas do Presidente da República que rotulou de “inépcia política” a quem concebeu a extinção do SEF.

Ana Catarina Mendes pede mais tempo para se concretizar “uma visão diferente, com a AIMA como expressão de um país aberto ao mundo”.

Não vale a pena sequer lembrar as centenas de imigrantes a dormir em tendas nas ruas junto à própria AIMA, em Lisboa, que demora tempo de mais a responder aos seus apelos, ou os milhares de explorados por todo o país que suscita a tal “visão diferente”.

Mas vale a pena recordar alguns factos deste penoso processo que, tal como o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, declarou, está a transformar Portugal num país objeto de “preocupações” na União Europeia (UE), quando no passado as suas políticas públicas relacionadas com as migrações eram “uma referência”.

Apesar de anunciada em finais de 2020, na sequência da morte do ucraniano Ihor Homeniuk- em março desse ano, quando estava à guarda do SEF e pela qual foram condenados três inspetores - só em novembro de 2021 foi publicado o decreto-lei para a reorganização que visava separar as funções policiais das administrativas, para que um imigrante não fosse recebido como um “suspeito” e o acolhimento fosse “humanitário”.

Depois de algumas hesitações sobre como se iam distribuir os inspetores da carreira de investigação e fiscalização pela GNR, PSP e Polícia Judiciária (PJ), que herdaram as competências policiais, o diretor nacional da PJ, Luís Neves, em acordo com a tutela, propôs ao então ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, a transição em bloco destes para a sua polícia.

Uma questão que podia ter sido muito muito complicada, resolveu-se quase num estalar de dedos, permitindo logo que todas as peças da segurança se começassem a instalar no novo cenário.

Enquanto isso, para a AIMA (que nem o nome se acertou à primeira, sendo este a quarta versão) não houve idêntica habilidade, especialmente uma que servisse os interesses do país em primeiro lugar.

Apesar de terem todo o tempo para se preparem, como as polícias, só em junho de 2023 (a quatro meses da extinção do SEF) a Agência foi criada oficialmente e apenas a dois dias de 29 de outubro (data da extinção) foram publicados os seus estatutos.

Ganhou a categoria de “instituto público equiparado a entidade pública empresarial”, ou seja, a funcionar como se de uma empresa pública de tratasse, beneficiando os seus presidente e dois vogais de salários superiores aos dos chefes máximos das polícias, mas os resultados desse “incentivo” está à vista.

De acordo com o organograma, a AIMA tem um total de 69 dirigentes (diretores de departamento, diretores de serviço e coordenadores de unidade), mais do dobro dos que tinha o SEF (31) para estas funções e para as policiais.

Se a herança dos processos em atraso foi pesada - mais de 400 mil - ela também resulta do facto de terem sido ignorados alertas do SEF para a falta de recursos que se agravava perante o aumento em grande escala de fluxos migratórios.

Antes mesmo de anunciado o seu fim, o SEF já estava em declínio, também resultado do saneamento de dirigentes que ousaram opor-se a tal política de “portas escancaradas” e avisaram para o seu desumano efeito catastrófico.

A incúria alastrou-se num misto de desalento e incapacidade de quem esteve envolvido nos processos de transição, chegando ao ponto de se perderem financiamentos europeus essenciais para manter Portugal na linha da frente da segurança das fronteiras, como foram os 10 milhões para um novo sistema que terá de estar a funcionar daqui a cinco meses em todo o espaço Schengen - o designado ETIAS.

Na PJ, que investiga toda a criminalidade relacionada com redes de imigração ilegal e tráfico de seres humanos, o acesso às preciosas bases de dados do antigo SEF, na posse da AIMA, continua muito limitado.

Por outro lado, algumas das mais importantes dessas bases de dados, como a LER (Lista de Empresas Referenciadas) que contém informação sobre empresas que servem de fachada para regularizações ilegais, deixaram de ser “alimentada”, pois a AIMA não tem competências de investigação.

No limite, sem consultar esta LER, a AIMA pode estar a emitir vistos de residência com base em contratos de trabalho de empresas investigadas pela PJ. Porque não há comunicação fluida. O que era inseparável desuniu-se.

Nesta semana foi divulgado um relatório do Conselho da Europa que expressa apreensão com os atrasos na regularização de imigrantes em Portugal, advertindo que isso prejudica o acesso à justiça e condiciona, também, os processos criminais contra traficantes.

Mais que nunca, a investigação criminal tem de ter todos os instrumentos, acesso célere a todas as informações das bases de dados.

Fala-se na eventual substituição da direção da AIMA, mas mudar a liderança não chega nem sequer é prioritário. Se Portugal não quer ficar na “lista vermelha” de Schengen, como advertiu Leitão Amaro, será preciso encontrar soluções muito rapidamente.

Será necessária uma espécie de task force com poderes excecionais integrada por dirigentes habituados a encontrar soluções: é este o tempo de reorganizar a reorganização, dando poder a quem tem capacidade e humanidade. Antes que passemos pela humilhação de vermos a nossa livre circulação limitada.

QOSHE - Migrações e incúria. Precisa-se de task force, com urgência - Valentina Marcelino
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Migrações e incúria. Precisa-se de task force, com urgência

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03.05.2024

A ex-ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares Ana Catarina Mendes considera que deve ser dado tempo à Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) para se instalar e testar soluções para os problemas.

Num artigo de opinião escrito no jornal Público desta semana - confortavelmente sem qualquer contraditório, não obstante o DN lhe tenha endereçado frequentemente várias questões às quais não respondeu - a agora candidata a eurodeputada pelo PS, que foi a responsável do Governo pela criação da AIMA, discorre sobre as críticas do Presidente da República que rotulou de “inépcia política” a quem concebeu a extinção do SEF.

Ana Catarina Mendes pede mais tempo para se concretizar “uma visão diferente, com a AIMA como expressão de um país aberto ao mundo”.

Não vale a pena sequer lembrar as centenas de imigrantes a dormir em tendas nas ruas junto à própria AIMA, em Lisboa, que demora tempo de mais a responder aos seus apelos, ou os milhares de explorados por todo o país que suscita a tal “visão diferente”.

Mas vale a pena recordar alguns factos deste penoso processo que, tal como o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, declarou, está a transformar Portugal num país objeto de “preocupações” na União Europeia (UE), quando no passado as suas políticas públicas relacionadas com as migrações eram “uma referência”.

Apesar de anunciada em finais de 2020, na sequência da morte do ucraniano Ihor Homeniuk- em março........

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