Mais do que um dever, é um imperativo moral auxiliar quem precisa do nosso apoio em situações extremas. É uma regra bem conhecida pelos homens do mar e também o devia ser pelos Estados mais ricos do Mundo. Mas nas ilhas britânicas parece haver quem se tenha esquecido do que é ser decente. A nova lei que vai levar à deportação para o Ruanda de migrantes que chegam a Inglaterra por meios ilegais enquanto procuram asilo é das mais flagrantes violações éticas e do direito internacional de que me recordo.

A lei agora aprovada já tinha sido chumbada por um tribunal superior, por ter considerado que não protegia os direitos individuais de cada requerente, mas a nova versão não corrige os problemas, apenas limita a capacidade de escrutínio pelo sistema judicial. "Stop the boats" (Parem os barcos) tornou-se num slogan de campanha, com uma piscar de olho ao eleitorado que namorava a extrema-direita, com medo dos estrangeiros. E se tudo começou com Boris Johnson, foi Rishi Sunak quem a fez aprovar, numa altura em que os conservadores britânicos se preparavam para eleições locais com uma lâmina a pender sobre a cabeça.

Vários requerentes de asilo já começaram a ser detidos, para serem enfiados num avião e levados para o Ruanda, onde o governo britânico garante que serão bem tratados e onde poderão fazer o seu pedido de asilo ao Governo de Kigali. Tudo menos aborrecer Downing Street, onde o problema pode ser esquecido se for bem regado com milhões de libras pagas ao país africano, para que seja ele a tratar do trabalho sujo. E não é pouco. Segundo o "The Guardian", o plano vai custar mais de dois milhões de euros por cada requerente de asilo expulso. E mesmo que ninguém seja enviado para o Ruanda, os dois Estados já acordaram um pagamento de cerca de 430 milhões de euros ao longo dos próximos anos. No total, se 300 pessoas entrarem no programa, os custos serão de cerca de 687 milhões de euros, se não houver derrapagens.

Com estes valores em cima da mesa, percebe-se que o problema dos migrantes não é o peso económico de os albergar e tratar de forma humana, mas sim um preconceito contra os desvalidos, que tiveram o azar de nascer num país pobre, em guerra ou até deixado de rastos por uma grande potência colonial, como foi Inglaterra ou Portugal. Imaginemos o que estas pessoas jovens poderiam fazer pelo país, se bem acolhidas e orientadas. E o projeto está a resultar tão bem, que as autoridades britânicas já perderam o rasto a milhares de requerentes de asilo que estavam no sistema e decidiram entrar na clandestinidade, para não serem forçados a viajar para um país que não escolheram, que não é o deles e que, apesar de todas os esforços, ninguém pode garantir que lhes vai assegurar uma análise honesta ao pedido e uma vida decente.

QOSHE - Inglaterra perdeu a decência - Luís Pedro Carvalho
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

Inglaterra perdeu a decência

50 13
06.05.2024

Mais do que um dever, é um imperativo moral auxiliar quem precisa do nosso apoio em situações extremas. É uma regra bem conhecida pelos homens do mar e também o devia ser pelos Estados mais ricos do Mundo. Mas nas ilhas britânicas parece haver quem se tenha esquecido do que é ser decente. A nova lei que vai levar à deportação para o Ruanda de migrantes que chegam a Inglaterra por meios ilegais enquanto procuram asilo é das mais flagrantes violações éticas e do direito internacional de que me recordo.

A lei agora aprovada já tinha sido chumbada por um tribunal superior, por ter considerado que não protegia os direitos individuais de cada requerente, mas a nova versão não corrige........

© Jornal de Notícias


Get it on Google Play