No grande livro do ódio, Mein Kampf, Adolfo Hitler escreveu que “as massas são mentalmente preguiçosas e por vezes presunçosas”, e acreditam em tudo, seja por “estupidez ou simplicidade”. Que a estupidez é reinante neste mundo, há dias em que restam poucas dúvidas – e os mecanismos de delírio coletivo que ligam o discurso público de um líder a ações violentas de uma “massa” permanecem intactos.

As palavras e as suas consequências imediatas podem ser vistas de forma límpida numa série de exemplos recentes, sendo o mais famoso talvez o de Donald Trump e as mentiras de que houve fraude eleitoral nas eleições americanas de 2020, discursos que levaram à invasão do Capitólio a 6 de janeiro de 2021.

Nos estudos que analisam o papel das emoções no discurso político da violência, a ideia de haver um “nós” e um “eles” é predominante. O ódio não existe sem um inimigo e, à falta de um que seja real, inventa-se a ameaça.

Muito recentemente, para uma entrevista aqui na VISÃO, perguntei a Hein de Haas, um grande estudioso do fenómeno das migrações, qual a principal razão para o medo dos imigrantes, se era o racismo ou eram fatores económicos como o receio de que venham “roubar” empregos. O sociólogo e geógrafo holandês respondeu assim: “É o discurso dos políticos.” E logo desfez com factos a “hipocrisia” da extrema-direita. “A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, chegou ao poder através de uma plataforma anti-imigração, mas tem permitido a entrada de imigrantes em largos números porque Itália está a envelhecer. A Hungria tem estado a importar mão de obra estrangeira. Todos os governos vivem sob a pressão dos negócios…”

É o “business as usual” que usa o discurso do ódio para manipular as massas, num cinismo próprio de qualquer líder totalitário que se preze, mas sabe que uma sociedade não pode viver de portas fechadas, a menos que se opte pelo modelo da Coreia do Norte.

Mas a hipocrisia não existe apenas entre discurso e prática políticos. Está em cada uma das pessoas que recebem em casa o jantar pelos serviços de entregas, sabendo bem quanto se paga pelo serviço, e depois apontam o dedo aos imigrantes que dormem “amontoados”, como se fosse uma escolha, um estilo de vida ou uma questão cultural.

A hipocrisia atravessa a sociedade, começando nos diversos governos, da direita à esquerda, quando recebem os imigrantes, perante a inevitável utilidade económica do seu papel, mercantilizando-os e esquecendo-se de que estamos a falar de seres humanos, despejados em qualquer lugar sem políticas de integração dignas do nome. Ignorando os problemas que assim se criam, negando certas realidades, a esquerda nada acrescenta ao combate contra o discurso do ódio.

Os cientistas relacionam o preconceito com o quociente de inteligência. “Pode haver limites cognitivos na capacidade de assumir a perspetiva dos outros, particularmente estrangeiros, já que parece que o preconceito tem origens emocionais, não cognitivas”, lê-se no site Live Science. É a famosa estupidez das massas? Ou é o medo, insuflado pela estupidez do discurso político, a suprimir a empatia?

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Os pregadores do ódio

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09.05.2024

No grande livro do ódio, Mein Kampf, Adolfo Hitler escreveu que “as massas são mentalmente preguiçosas e por vezes presunçosas”, e acreditam em tudo, seja por “estupidez ou simplicidade”. Que a estupidez é reinante neste mundo, há dias em que restam poucas dúvidas – e os mecanismos de delírio coletivo que ligam o discurso público de um líder a ações violentas de uma “massa” permanecem intactos.

As palavras e as suas consequências imediatas podem ser vistas de forma límpida numa série de exemplos recentes, sendo o mais famoso talvez o de Donald Trump e as mentiras de que houve fraude eleitoral nas eleições americanas de 2020, discursos que levaram à invasão do Capitólio a 6 de janeiro de 2021.

Nos estudos que analisam o papel das emoções no discurso político da violência, a ideia de haver um “nós” e um........

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