Ao falar de futebol no Brasil, um português sentia-se como se estivesse a opinar sobre destilação de whisky com um escocês

Graças a Abel, a JJ e aos outros estrangeiros de sucesso no Brasil, falar de futebol ficou mais fácil para um português radicado no país. Low, Kroos e Thomas Muller também ajudaram. E as TV a cabo, idem.

Explicando: em 2011, quando o autor destas linhas chegou, o sucesso do Brasil no Mundial-2002 de nove anos antes não tinha ainda prescrito, nem os triunfos italiano, em 2006, e espanhol, em 2010, com os canarinhos a chegarem em ambos apenas aos quartos de final, havia bastado para fazer soar alarmes de crise na seleção brasileira.

Por esses anos, portanto, qualquer humilde sugestão de um jornalista português em conversas particulares, nas redes sociais ou em programas de TV sobre a inutilidade dos estaduais, o calendário insano, o vira o disco e toca o mesmo das demissões dos treinadores, um substituído por outro, que, por sua vez, trocava de lugar com um terceiro, que ocupava o posto do primeiro, era vista com desdém.

Delicadamente, nos olhos dos interlocutores brasileiros lia-se um «afinal, quantas Copas Portugal ganhou para você vir aqui dar conselhos?»

Ao falar de futebol no Brasil, um português sentia-se como se estivesse a opinar sobre destilação de whisky com um escocês. Ou a instruir uma dançarina argentina a esticar a perna a meio de um tango. O melhor, portanto, era ficar calado (ou falar de fado e bacalhau).

Com as tais TV a cabo a passarem a Champions League e quase todos os outros torneios europeus a toda a hora, a altivez acalmou. «Nossa, como esses caras lá na Europa jogam, parece até um esporte diferente...», começaram a dizer os locais, meio grogues, como um pugilista que leva o primeiro direto colocado.

Mas o cruzado, o jab, o uppercut, o gancho que os levou ao tapete foi, claro, o 7-1 no Mineirão, da Alemanha ao Brasil do mesmo Luiz Felipe Scolari que, em 2002, havia elevado a soberba do pentacampeão mundial à estratosfera.

Surge então uma espécie de velado pedido de ajuda na forma de importação de treinadores estrangeiros, argentinos à cabeça e portugueses depois, como Jorge Jesus, que guiou o Flamengo ao céu, praticando um futebol de alta performance, à europeia, mas fiel ao encantador estilo de pé para pé, drible e tabelinha, à brasileira.

A seguir, Abel Ferreira transformou o Palmeiras numa máquina de vitórias. E, assim, embora a seleção portuguesa continue sem Copas, os portugueses, em conversas particulares, nas redes sociais ou em programas de TV, começam a ser escutados e respeitados.

Ao ponto de Mário Gobbi, ex-presidente do Corinthians, ter sido esmagado nos últimos dias pelos pundit brasileiros por se ter atrevido a criticar Abel. Em 2011, salvo honrosas e lúcidas exceções, o Brasil era composto por 200 milhões de Mários Gobbi.

QOSHE - Quantas Copas você ganhou? - João Almeida Moreira
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Quantas Copas você ganhou?

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03.03.2024

Ao falar de futebol no Brasil, um português sentia-se como se estivesse a opinar sobre destilação de whisky com um escocês

Graças a Abel, a JJ e aos outros estrangeiros de sucesso no Brasil, falar de futebol ficou mais fácil para um português radicado no país. Low, Kroos e Thomas Muller também ajudaram. E as TV a cabo, idem.

Explicando: em 2011, quando o autor destas linhas chegou, o sucesso do Brasil no Mundial-2002 de nove anos antes não tinha ainda prescrito, nem os triunfos italiano, em 2006, e espanhol, em 2010, com os canarinhos a chegarem em ambos apenas aos quartos de final, havia bastado para fazer soar alarmes de crise na seleção brasileira.

Por esses anos, portanto, qualquer humilde........

© A Bola


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