No futebol (como na vida) há coisas que simplesmente (ainda) não se explicam: só acontecem

O escritor Nelson Rodrigues inventou uma personagem que, nos longínquos anos 50, pairava sobre os jogos do Flu, clube do coração do autor, e influía, quase sempre negativamente, nos resultados. Chamou-lhe Sobrenatural de Almeida (sem parentesco com o autor deste texto).

Entretanto, na era dos batalhões de analistas de desempenho, dos big data e megadata acumulados, da soma de terabytes com petabytes e ainda mais zettabytes de informação, o Sobrenatural de Almeida, que na conceção original já era um fantasma, corre o risco de morrer outra vez.

No final do jogo entre Palmeiras e Corinthians, de domingo passado, para o Paulistão, o Verdão vencia por 2-0, que podiam ter sido três ou quatro, porque a obra de Abel Ferreira está pronta e a de António Oliveira ainda na fase de terraplanagem, quando o Timão reduziu para 1-2 e se animou.

No entanto, logo a seguir, com as substituições já esgotadas, o guarda-redes corintiano, Cássio, foi expulso e o autor do golo, Yuri Alberto, fraturou uma costela.

Mesmo com nove, porém, aos 90+10’ o Corinthians ganhou um livre a larga distância. Garro, um argentino que se estreava no dérbi paulistano, decidiu então enganar toda a gente, incluindo os companheiros de equipa a quem jurara bombear para a área, e chutar direto para o 2-2, com a contribuição do habitualmente impecável Weverton.

E a seguir, um defesa alvinegro evitou o golo alviverde em cima da linha, já a bola havia passado pelo zagueirão travestido de goleirão Gustavo Henrique.

Minutos depois desta tragicomédia, Abel é confrontado na coletiva com aqueles últimos minutos — o que se passou, o que houve, o que poderia ter sido feito, como evitar no futuro — e, irritado, disse que a partir de agora iria incluir nos treinos exercícios para impedir que acontecessem todos os inexplicáveis acontecimentos que aconteceram.

Claro que há respostas dentro das fronteiras da lógica aritmética para o empate: o Palmeiras de 2023 precisava de rematar menos para marcar o mesmo número de golos que o de 2024 vem marcando e neste Paulistão o clube já perdeu seis pontos por sofrer golos no fim; ou seja, falta melhorar os índices de eficácia barra número de remates e os registos de concentração barra minutos de compensação e todas as demais operações matemáticas que os zettabytes dos computadores dos analistas de desempenho comportarem.

Mas temos, nesta era da informação, de admitir que no futebol (como na vida) há coisas, seja por causa do ritmo das marés, da influência dos astros, das vibrações cósmicas ou lá pelo que for, que simplesmente (ainda) não se explicam: só acontecem. Como aconteceu aquele 4-3 do Palmeiras na casa do Botafogo que virou o Brasileirão do ano passado de cabeça para baixo.

Em suma, na era do big data, o Sobrenatural de Almeida, mesmo fantasma, continua vivíssimo da Silva.

QOSHE - Sobrenatural de Almeida - João Almeida Moreira
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

Sobrenatural de Almeida

6 1
24.02.2024

No futebol (como na vida) há coisas que simplesmente (ainda) não se explicam: só acontecem

O escritor Nelson Rodrigues inventou uma personagem que, nos longínquos anos 50, pairava sobre os jogos do Flu, clube do coração do autor, e influía, quase sempre negativamente, nos resultados. Chamou-lhe Sobrenatural de Almeida (sem parentesco com o autor deste texto).

Entretanto, na era dos batalhões de analistas de desempenho, dos big data e megadata acumulados, da soma de terabytes com petabytes e ainda mais zettabytes de informação, o Sobrenatural de Almeida, que na conceção original já era um fantasma, corre o risco de morrer outra vez.

No final do jogo entre Palmeiras e Corinthians, de domingo passado,........

© A Bola


Get it on Google Play