Nos anos 50, ti Jerónimo trabalhava ainda na Casa do Conde cavando as terras, ao mesmo tempo que cismava com o seu filho Zacarias.

Figura humilde. Alguns insultavam-no mas ti Jerónimo encontrava uma forma de se vingar, desprezando aqueles que o queriam humilhar. Nunca deixou o luto pela sua Rosália que morrera há vários anos, chorava agora pelo seu filho emigrado no Canadá sem nunca dar notícias”, se ao menos eu soubesse se está vivo! “segredava para a imagem da Senhora das Candeias implantada no fundo da saleta.

Vivendo tão só, foi-se acometendo de loucuras, chegando ao ponto de incendiar matas e palheiros e atar chocalhos no rabo de cães para os ver correr como galgos esbaforidos.
O ti Jerónimo encontrara uma antiga namorada chegada de França de nome Mariana que exibia um colar de conchas e outras bugigangas. Mariana era agora a sua única amiga e quando se encontravam repetiam-se em estribilhos de recordações.

– Bons tempos Jerónimo quando nós fazíamos faísca nos bailes.

Na conversa das memórias, a emoção do velho confundia-se com o murmúrio suave da água dos tanques de Mateus e Jerónimo lembrava que algumas lavadeiras batiam com força, salpicando de água as últimas resistentes do dia. Outras batiam ainda com mais energia imaginando que estavam a “malhar” nos homens que normalmente chegavam bêbados a casa e que quase todos os dias lhes davam uma coça.

Agora, Mariana fez um gesto de cabeça para o ar desafiando Jerónimo: “vamos ao baile dos anos do Senhor Conde, no dia 16”? E Jerónimo puxa por um cigarro vagarosamente: “Sim, vamos Mariana”. E logo um olhar meigo e espiritual aconteceu.

Mariana fora noutros tempos uma moça muito cobiçada por rapazolas. Toda a vida solteira mas sempre galanteada. Fiel ao noivo que ficara imobilizado por um acidente de motorizada, não casou com ele mas prometeu-lhe que não viveria com mais ninguém. Depois desse infausto episódio foi para França trabalhar.

O dia 16 de setembro tinha chegado. Um grupo de músicos de Mateus sob a batuta de Joaquim do Pinto iniciava o baile com um pasodoble. Os dois chegaram cedo e bailaram enquanto tiveram forças. Mariana sentiu o peito arfante mas impregnada de uma felicidade incontida.

Jerónimo levou-a a casa e na intenção de um beijo apressado, caiu-lhe a dentadura postiça. Na passagem de um pequeno riacho, uma rã coaxou, outras responderam na noite parada.

Chegados a uma ponte, Jerónimo debruçou-se sobre um muro e tirou do bolso um amarrotado cigarro. Ele a fumar e ela a sonhar enlevada no fumo que livre subia sem destino.

“A vida vale sempre a pena ser vivida”, suspirou Mariana. Ali, os dois queriam a noite só para eles e que não tivesse fim.

E um abraço colou-se no calor dos corpos espiritualizados.

Assim, não tinham frio. Afinal, o amor não tem idade.

QOSHE - O amor não tem idade - Adérito Silveira
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O amor não tem idade

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29.02.2024

Nos anos 50, ti Jerónimo trabalhava ainda na Casa do Conde cavando as terras, ao mesmo tempo que cismava com o seu filho Zacarias.

Figura humilde. Alguns insultavam-no mas ti Jerónimo encontrava uma forma de se vingar, desprezando aqueles que o queriam humilhar. Nunca deixou o luto pela sua Rosália que morrera há vários anos, chorava agora pelo seu filho emigrado no Canadá sem nunca dar notícias”, se ao menos eu soubesse se está vivo! “segredava para a imagem da Senhora das Candeias implantada no fundo da saleta.

Vivendo tão só, foi-se acometendo de loucuras, chegando ao ponto de incendiar matas e palheiros e atar chocalhos no rabo de cães para os ver correr como galgos esbaforidos.
O ti........

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