Em outubro passado, desloquei-me a Luanda integrado numa equipa de missão para cumprir objetivos previamente definidos, regressando à cidade que há 50 anos tinha deixado, no final da comissão obrigatória de serviço militar.

Cumpriu-se, assim, a velha “máxima” luandense ao vaticinar-se que quem alguma vez passar por Luanda, e beber água do Bengo, não deixa de lá voltar. Todavia, confesso que a desilusão foi enorme, tendo em conta as imagens que ainda permanecem no meu imaginário, desse tempo marcante do principio dos anos 70 do século passado.

Durante a minha curta estadia na 23, passei por alguns locais que me eram familiares, verificando o quanto a cidade se foi metamorfoseando ao longo dos anos, descaraterizando-se com a construção de vários arranha-céus, um pouco por todo o lado, sem qualquer relação arquitetónica com o edificado existente. O caso mais paradigmático está patente no antigo Eduar, onde o emblemático Mercado foi substituído pelo centro comercial, em construção, constituído por um edifício base do qual emergem duas torres laterais, totalmente dissonantes da envolvente.

A toponímia local sofreu uma alteração radical, tendo sido atribuídos aos arruamentos luandenses, os nomes de vários nacionalistas angolanos, como o de Comandante Valódia, à antiga Av. dos Combatentes, Av. Deolinda Rodrigues à Estrada de Catete e o de conhecidíssimas figuras do internacionalismo proletário, como Lenine, Che Guevara, Friedrich Engels, só para citar algumas.

Tive ocasião de revisitar a Igreja de Nossa Senhora de Fátima, na Vila Alice que, na companhia do meu camarada e amigo Isidoro Mealha Pereira, visitávamos frequentemente, para participar na eucaristia dominical, tendo tido a grata satisfação de a reencontrar bem conservada e aberta ao culto, trocando palavras amistosas com alguns sacerdotes presentes, que me encheram de satisfação. Aproveitei também para fazer uma pequena incursão ao local onde se situava o mítico Centro de Instrução de Comandos, nas imediações do Bairro Cazenga, onde estive aquartelado. Constatei, porém, que o mesmo já não existia, visto que toda aquela área fora ocupada pelo crescimento desordenado do referido bairro suburbano. De notar que a explosão demográfica, desde a independência, tem sido exponencial, comportando Luanda e arredores 12,5 milhões de habitantes, com tendência para aumentar, quando em finais de 1973 esse número era aproximadamente de 475 mil pessoas.

Não posso deixar de referir, também, com alguma angustia, o que me foi dado observar ao longo dos percursos efetuados: o deambular constante de grupos de pessoas, de vários escalões etários, comerciando todo o tipo de bugigangas e artigos diversos, desde garrafas de água, amendoins, bananas, parafusos, pregos, etc., e miúdos com as suas caixas de engraxar, um pouco por toda a cidade, assediando os transeuntes, nomeadamente, estrangeiros, como forma de angariação de meios para a sua subsistência.

Quase 50 anos passados, depois da independência daquele imenso e rico território, não há palavras para expressar o quanto me vai na alma, perante tão desoladora e inquietante situação.

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Ecos de uma visita a Luanda 50 anos depois

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23.11.2023

Em outubro passado, desloquei-me a Luanda integrado numa equipa de missão para cumprir objetivos previamente definidos, regressando à cidade que há 50 anos tinha deixado, no final da comissão obrigatória de serviço militar.

Cumpriu-se, assim, a velha “máxima” luandense ao vaticinar-se que quem alguma vez passar por Luanda, e beber água do Bengo, não deixa de lá voltar. Todavia, confesso que a desilusão foi enorme, tendo em conta as imagens que ainda permanecem no meu imaginário, desse tempo marcante do principio dos anos 70 do século passado.

Durante a minha curta estadia na 23, passei por alguns locais que me eram familiares, verificando o quanto a cidade se foi metamorfoseando ao longo dos anos, descaraterizando-se com a construção de vários arranha-céus, um........

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