No percurso que normalmente utilizo a caminho da instituição onde, há anos, presto a minha colaboração, passo regularmente no Largo Trindade Coelho, também conhecido por Largo da Misericórdia, em Lisboa, onde se situa a Igreja de São Roque, que visito frequentemente, para aí fazer as minhas meditações e apreciar a sua riqueza patrimonial.

Numa dessas visitas, reparei num pequeno livro, existente na vitrina, colocada numa das portas de entrada, intitulado O Santo Padre Cruz, de Maria da Conceição Barreira de Sousa, editado pela 25, que despertou a minha curiosidade e me levou a adquiri-lo.

Desde a infância, habituei-me a ouvir da minha saudosa mãe, referências elogiosas a esta figura ímpar da Igreja, de quem ela era devota confessa, tendo, inclusivamente, participado, algumas vezes, nas celebrações eucarísticas, por ele celebradas, na Igreja dos Congregados, no Porto. O referido livro de tamanho reduzido, mas de grande importância para a compreensão da sua vida e obra, lê-se de uma penada. Confesso que fiquei agradavelmente surpreendido por tudo quanto nele está contido, permitindo-me confirmar as suas qualidades extraordinárias de dedicação aos pobres e excluídos da sociedade, a que consagrou toda a sua vida.

Para melhor compreensão daquilo que venho afirmando, permitam-me que conte dois episódios significativos, narrados pela autora desta obra.

Certo dia estava ele na estação do Cais do Sodré para ir de comboio até Belém, visitar um doente, e quando se encontrava a comprar o bilhete de 3.ª classe, foi abordado por um pobre pedindo-lhe esmola. O Padre Cruz, cheio de pena, respondeu-lhe que tivesse paciência, mas daquela vez não tinha senão a quantia exata para o seu bilhete. Provavelmente, conhecendo a fama do padre com quem o pedinte estava a falar, não se acanhou, sugerindo-lhe que fosse a pé, porque era tão perto. E assim aconteceu. Lá foi ele a pé até ao seu destino, abdicando da compra do bilhete de comboio para dar o seu valor ao pobre homem.

Noutra ocasião, estando ele já no comboio, apareceu o revisor solicitando-lhe o respetivo título de transporte, porém, procurando o passe que lhe tinha sido concedido pela CP, para viajar por todo o país, por mais que procurasse este não aparecia. Cansado de esperar o revisor resmungou que teria de pagar bilhete, só que ele também não tinha dinheiro, uma vez que já o havia distribuído por quem mais precisava. Assim sendo, o revisor admoestou-o dizendo-lhe que teria de sair na próxima estação. Obediente, o Padre Cruz, assim o fez. O problema é que depois de ele sair o comboio não andava. Vieram mecânicos averiguar se haveria alguma anomalia, mas nada conseguiram constatar. Entretanto, o chefe da estação inteirando-se do que se estava a passar, como o conhecia, conduzi-o novamente à carruagem donde se tinha apeado e o comboio retomou a sua marcha normal.

Estes dois episódios revelam que o Padre Cruz foi em vida uma figura exemplar pela sua humildade e abdicação dos bens materiais, enfrentando, não raras vezes, situações difíceis no período conturbado da 1.ª República, denotando, também, ser dotado de algo transcendente, cuja compreensão escapava ao conhecimento da ciência.

QOSHE - O Padre Cruz - Eduardo Varandas
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O Padre Cruz

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25.01.2024

No percurso que normalmente utilizo a caminho da instituição onde, há anos, presto a minha colaboração, passo regularmente no Largo Trindade Coelho, também conhecido por Largo da Misericórdia, em Lisboa, onde se situa a Igreja de São Roque, que visito frequentemente, para aí fazer as minhas meditações e apreciar a sua riqueza patrimonial.

Numa dessas visitas, reparei num pequeno livro, existente na vitrina, colocada numa das portas de entrada, intitulado O Santo Padre Cruz, de Maria da Conceição Barreira de Sousa, editado pela 25, que despertou a minha curiosidade e me levou a adquiri-lo.

Desde a infância, habituei-me a ouvir da minha saudosa mãe, referências elogiosas a esta figura ímpar da Igreja, de quem ela era devota confessa, tendo, inclusivamente, participado, algumas........

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