Fiquei surpreendido, tenho de admitir, quando vi André Ventura a ser entrevistado nos estúdios da CNN, pouco tempo depois de ter aparecido nos ecrãs de televisão a falar a partir dos corredores da Assembleia da República.

Na Assembleia discursava ele, assim como os restantes representantes dos partidos com assento parlamentar, a propósito da mais recente conferência de imprensa de António Costa, desde São Bento. Se na Assembleia era o André do Apocalipse, que tinha acabado de testemunhar o fim dos tempos políticos, depois de teletransportado para os estúdios da CNN foi apenas o André advogado, aquele que se debruçou sobre os detalhes do caso Influencer. Acabou ainda, e para gáudio do seu público, a ser o André comentador político (e entendido em sondagens sobre o seu próprio partido). Tudo isto sem em momento algum enfrentar qualquer tipo de contraditório. Obrigado, CNN!

É notável como já ninguém estranha o facto de um partido que se apresenta como antissistema, anti status quo, esteja agora tão bem instalado no próprio sistema. De onde só se pode concluir que o CHEGA é, na verdade, do sistema. É o partido dos mais conservadores que, à falta de melhor, estavam estacionados no PSD e CDS, e que agora se juntaram num “novo” partido. Mas a força desta nova direita não está nos seus organizadores, mas nos descontentes que tentam atrair para a sua tenda política. Na génese do GHEGA não esteve nenhum grupo de intelectuais marginais que, por obra do acaso ou da necessidade, ao teorizarem sobre uma nova forma de organizar a sociedade, tivessem acabado por conseguir que as suas ideias saíssem da sombra e lentamente se elevassem até às tribos políticas dominantes. Não, na sua génese está uma série de equívocos graves e de difícil correção. Equívocos de todos nós, e não só de quem está no poder. Deixem-me dar exemplos. A esquerda mais anticapitalista equivoca-se porque a maioria dos trabalhadores não são progressistas. A direita porque a maioria dos conservadores não são liberais na economia (são trabalhadores que ganham uma miséria). Os centros porque eventualmente se transformam em alternativa nenhuma e em bode expiatório de todos os males. E por aí a fora…

O longo arco histórico da polarização social ditou que neste momento se estejam a forjar novas alianças, que não as tradicionais da esquerda e da direita. É curioso que estes recentes realinhamentos não tenham trazido ainda nada de novo, nenhuma ideia política inovadora digna desse nome. Apenas um regresso bafiento ao status quo ante, agora não sob a forma de ditadura, mas apenas de Democracia com “d” pequeno, ou democracia iliberal, se preferirem. Com o beneplácito do sistema.

QOSHE - Como se CHEGA aqui! - João Ferreira
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Como se CHEGA aqui!

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16.11.2023

Fiquei surpreendido, tenho de admitir, quando vi André Ventura a ser entrevistado nos estúdios da CNN, pouco tempo depois de ter aparecido nos ecrãs de televisão a falar a partir dos corredores da Assembleia da República.

Na Assembleia discursava ele, assim como os restantes representantes dos partidos com assento parlamentar, a propósito da mais recente conferência de imprensa de António Costa, desde São Bento. Se na Assembleia era o André do Apocalipse, que tinha acabado de testemunhar o fim dos tempos políticos, depois de teletransportado para os estúdios da CNN foi apenas o André advogado, aquele que se debruçou sobre os detalhes do caso Influencer. Acabou........

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