A preia-mar mostra-nos um espelho que nos tranquiliza e permite interiorizar uma acalmia jamais vista nos últimos meses. As gaivotas, intranquilas, esperam ansiosas por uma traineira que lhes traga o petisco ansiado desde longa data.

No cais a azáfama é inusual, pois é necessário tomar decisões rápidas relativamente à sobressaltada fase que se vive por falta de pescado e, naturalmente, à falta de verba para o quotidiano.

Não há sustento que ultrapasse as sérias dificuldades dos meses que se passam sem ir ao mar! Nos cafés da zona ribeirinha, os turistas «seniores», que nesta altura do ano nos visitam percorrem, aos pares, os que lhes apresentam nos cardápios e escolhem um que lhes permita degustar um pequeno-almoço (na minha terra denominado «mata-bicho») com os ingredientes que não abdicam – ovos fritos com bacon e feijões… um café bem quente com leite ou chá e, ao final, talvez, um licor… ou ainda melhor um medronho cá do burgo ou… uma aguardente feita à socapa da ASAE!

Um ruído inesperado desperta-nos a atenção para uma viatura dos Bombeiros que passa a uma velocidade que seria, de imediato, alvo de presa da brigada de trânsito! Algum reformado, desprovido de reservas gastas com a crise, sucumbe à falta da medicação que deixou de comparar por ter consumido a mingua reforma com a parca alimentação que ministrou nos últimos meses.

No exíguo espaço que o IMT (ex-IPTM) lhes dispensou, um grupo de pescadores lamenta-se por não ter ido ao mar à procura do sustento que lhes irá permitir cumprir com os pagamentos – da luz – da água – dos medicamentos (que a farmácia já não fia) – da compra de vestuário mais confortante – do telefone – do tabaco que deixou de ser «Português Suave»… enfim concluem que o melhor será arriscar e não valorizar os casos dos colegas de outras paragens que ultimamente têm sido objeto de notícia por terem naufragado ignorando, pura e simplesmente, o perigo. Consumidos pelas inúmeras tormentas que lhes consomem o tempo um deles levanta-se e lamenta – lá vou ter de ir despejar águas à ria porque o WC tem horário!

Inesperadamente são interrompidos por um colega que vem indignado e ofendendo a gramática por ter sido interceptado no canal de acesso ao cais pelas autoridades ignorando as questões que o incauto pescador apresentou passando-lhe a contraordenação que o vai privar, ainda mais, de outros compromissos cumprir! Repentina e entusiasticamente um deles alerta, possante e sentidamente, para a passagem de uma viatura automóvel de um vistoso automóvel que contrasta com o seu utente.

Como sempre afável e cordial com os presentes o utente do bonito meio de transporte cumprimenta, apeado já, descontraidamente, como é seu hábito, todos! Usufrui da sua naturalidade como portimonense por afinidade, alvorense por paixão para falar – tu cá tu lá – com todos! A conversa não podia ser outra senão os resultados das eleições e a possibilidade de o Sporting ser campeão. Se a admiração de termos uma nova sigla (política) no Concelho o facto de virmos a ter a verde a esperança no desporto nacional nada surpreendeu!

Afinal Alvor é uma terra promissora e a esperança é a última a morrer… acabaram todos à volta de uma mesa… na tasca do Zé.

Mário de Freitas | Provedor Santa Casa da Misericórdia de Alvor

QOSHE - O que mais poderá acontecer - Mário De Freitas
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

O que mais poderá acontecer

10 0
06.04.2024

A preia-mar mostra-nos um espelho que nos tranquiliza e permite interiorizar uma acalmia jamais vista nos últimos meses. As gaivotas, intranquilas, esperam ansiosas por uma traineira que lhes traga o petisco ansiado desde longa data.

No cais a azáfama é inusual, pois é necessário tomar decisões rápidas relativamente à sobressaltada fase que se vive por falta de pescado e, naturalmente, à falta de verba para o quotidiano.

Não há sustento que ultrapasse as sérias dificuldades dos meses que se passam sem ir ao mar! Nos cafés da zona ribeirinha, os turistas «seniores», que nesta altura do ano nos visitam percorrem, aos pares, os que lhes apresentam nos cardápios e escolhem um que lhes permita degustar um pequeno-almoço (na minha terra denominado «mata-bicho») com os ingredientes que não abdicam – ovos fritos com........

© Barlavento


Get it on Google Play