ANA CRISTINA DUARTE*

A União Geral dos Trabalhadores (UGT) trava uma luta histórica pela criação de uma sociedade mais justa e pelo prevalecimento do Estado desenhado pela Constituição Federal de 1988. O Pacto Global da ONU e a agenda ESG (environmental, social and governance — meio ambiente, social e governança) têm exigido que cada vez mais as empresas se comprometam com agendas que promovam a dignidade e a diversidade no mundo do trabalho. E o combate ao racismo é um dos enfoques. Em todos os setores, é perceptível iniciativas nessa direção.

No setor público, a sociedade brasileira avançou muito, como resultado da luta do movimento negro brasileiro, com a consolidação de políticas de ação afirmativa à comunidade negra, que carrega o peso da escravização, a mais longa entre os países. No passado, o Estado não só legitimou a desumanização do povo negro, como criou um conjunto de barreiras a sua efetiva integração, como muito bem descrito no livro Cotas Raciais, da promotora de justiça Lívia SantAnna Vaz. É inconcebível que o Estado que escravizou e que criou barreiras à efetiva integração não responda ao que estabelece o art. III, inciso III de nossa Carta Magna.

Não podemos nos esquecer que, em 2022, por meio do Decreto nº 10.932, de 10/01/22, o Estado brasileiro ratificou a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância. Em seu art. 5º, está estabelecido que: Os Estados Partes comprometem-se a adotar as políticas especiais e ações afirmativas necessárias para assegurar o gozo ou exercício dos direitos e liberdades fundamentais das pessoas ou grupos sujeitos ao racismo, à discriminação racial e formas correlatas de intolerância, com o propósito de promover condições equitativas para a igualdade de oportunidades, inclusão e progresso para essas pessoas ou grupos. Tais medidas ou políticas não serão consideradas discriminatórias ou incompatíveis com o propósito ou objeto desta Convenção, não resultarão na manutenção de direitos separados para grupos distintos e não se estenderão além de um período razoável ou após terem alcançado seu objetivo.

O objetivo da Lei nº 12.990/2014, que previa ação afirmativa de corte racial nos concursos públicos federais, não foi alcançado, sendo necessária e urgente a aprovação de sua continuidade. Dado o compromisso com a diversidade no mundo do trabalho, a UGT, como uma das mais importantes centrais sindicais do Brasil, fez-se parceira do Movimento Negro Unificado (MNU) na divulgação do relatório A implementação da Lei nº 12.990/2014: um cenário devastador de fraudes.

O título do relatório não exagera o que o grupo de pesquisa Opará, da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), trouxe como evidência sobre a implementação da lei. Além de um atraso secular, mais uma vez o Estado brasileiro tarda ao não garantir a reparação pactuada por ele mesmo. O mais grave é que o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, em seu voto na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC 41), expressou de forma concreta que a política também pode ser fraudada pela própria Administração Pública.

O relatório comprovou a existência de seis modalidades de burlar à lei. Modalidades estas que foram produzidas e reproduzidas, resultando no impedimento de reserva de vagas para o ingresso de negras e negros no setor público federal. Nós da UGT lamentamos que as instituições de accountability (responsabilidade) não tenham criado instrumentos de controle para impedir a retirada de direitos à população negra.

Nesse sentido, diante de uma reparação não realizada, deve ser compromisso de todas as instituições do Estado brasileiro e da sociedade garantir ao povo negro a continuidade da política de ação afirmativo racial. E, como o próprio estudo alertou, os efeitos às cotas raciais foram os mesmos à garantia do direito de pessoas com deficiência. Políticas de ação afirmativas chanceladas pelo Estado brasileiro não podem ter seus efeitos sustados pelos órgãos implementadores.

A UGT, honrando seu compromisso histórico por um Brasil mais justo, se coloca na defesa intransigente da diversidade no mundo do trabalho. Nossa defesa é que as leis que auxiliam no cumprimento dessa promessa ainda não efetivada pelo Estado sejam continuadas e, de fato, implementadas.

*Formada em direito, com MBA em gestão pública, militante feminista, ativista negra e sindicalista (UGT e Conascom)

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Pela continuidade da Lei 12.990/2014

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27.04.2024

ANA CRISTINA DUARTE*

A União Geral dos Trabalhadores (UGT) trava uma luta histórica pela criação de uma sociedade mais justa e pelo prevalecimento do Estado desenhado pela Constituição Federal de 1988. O Pacto Global da ONU e a agenda ESG (environmental, social and governance — meio ambiente, social e governança) têm exigido que cada vez mais as empresas se comprometam com agendas que promovam a dignidade e a diversidade no mundo do trabalho. E o combate ao racismo é um dos enfoques. Em todos os setores, é perceptível iniciativas nessa direção.

No setor público, a sociedade brasileira avançou muito, como resultado da luta do movimento negro brasileiro, com a consolidação de políticas de ação afirmativa à comunidade negra, que carrega o peso da escravização, a mais longa entre os países. No passado, o Estado não só legitimou a desumanização do povo negro, como criou um conjunto de barreiras a sua efetiva integração, como muito bem descrito no livro Cotas Raciais, da promotora de justiça Lívia SantAnna Vaz. É inconcebível que o Estado que escravizou e que criou barreiras à efetiva integração não responda ao que estabelece o art.........

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