Gustavo Ribeiro*

O balanço da saúde suplementar de 2023, divulgado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, órgão regulador do setor, traz dados que podem parecer conflitantes a quem desconheça o funcionamento do sistema. Pela primeira vez, 51 milhões de brasileiros têm acesso a planos de assistência médica — e, mesmo assim, o setor continuou a enfrentar resultado operacional negativo. No acumulado desde 2021, as perdas superam R$ 20 bilhões. Pode parecer paradoxal. Mas não é.

O descasamento entre esses dois dados mostra que a sustentabilidade do setor de saúde suplementar está em xeque. A explicação para esse estado de coisas tem, entre as suas raízes, o incontável número de questões técnicas que o setor tem de enfrentar. Uma delas são os crescentes gastos com reembolsos fraudulentos que, no acumulado de 2019 a 2023, superaram os R$ 10 bilhões, segundo estimativas da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge).

Outro ponto relevante é a judicialização indevida em excesso. Os dados do Conselho Nacional de Justiça são de tal ordem que poderiam soar como um exagero. Antes fosse. Em 2023, a Justiça recebeu mais de 570 mil novas ações referentes a questões ligadas à saúde — e, destas, 219 mil se referem ao setor de saúde suplementar. A judicialização em excesso movida por comportamentos fraudulentos contra os sistemas de saúde público e privado representa um grave obstáculo ao Sistema Judiciário, que se vê sobrecarregado com ações sem mérito, iniciadas sob justificativas implausíveis.

O impacto se traduz em números impressionantes para a saúde suplementar. Nos últimos cinco anos, os custos com a judicialização somaram mais de R$ 15 bilhões. Entre 2017 e 2018, as despesas judiciais pagas por operadoras de planos de saúde cresceram 11,4%; de 2018 para 2019, houve um avanço mais expressivo: 19,9%. Mas ainda assim, nada comparado aos 58,2% de aumento que se viu entre 2021 e 2022. Nada há de trivial nesses números, nem há de ser trivial a busca pela solução desse problema. A ação, contudo, é necessária e urgente já que a inação prejudica a sustentabilidade do setor e, acima de tudo, os beneficiários.

Hoje, um em cada quatro brasileiros possui plano de saúde. São 677 operadoras de planos médico-hospitalares que respondem pela realização, a cada dia, de um total de 3 milhões de exames (laboratoriais e de imagem), 10 mil cirurgias, 25 mil internações, 4.300 sessões de quimioterapia e muitos outros serviços e procedimentos. Por ano, o total de procedimentos supera a marca de 1,6 bilhão. Os 51 milhões de beneficiários da saúde suplementar no Brasil já são mais que a população de qualquer país da América Latina, à exceção do México.

Com todos os obstáculos à frente, ainda assim há espaço para crescer no Brasil. O plano de saúde é o terceiro maior desejo de consumo dos brasileiros, depois de educação e casa própria, segundo pesquisa do Vox Populi feita a pedido do Instituto de Estudos em Saúde Suplementar (IESS). O dado é corroborado por estudo da própria Abramge, que ouviu 1.599 pessoas e verificou que 94% delas pagariam pelo benefício se pudessem.

O brasileiro deseja a segurança que o serviço proporciona e espera que o custo seja compatível com seu orçamento. Aumentar o acesso da população ao sistema é possível e é uma das razões de ser da Abramge. Mas, para fazer com que os serviços de alta qualidade prestados pelo setor cheguem a ainda mais brasileiros, é preciso haver crescimento com equilíbrio. E para isso, respeito a normas estabelecidas e segurança jurídica são essenciais.

Entendemos que há sempre espaço para melhorias, mas é preciso racionalizar o debate. A observância de normas e regulações por agentes do setor e instâncias julgadoras é imprescindível para que se possa garantir o justo atendimento a todos os beneficiários. E isso só será alcançado se, quando comprovadas as fraudes além de qualquer recurso cabível, forem aplicadas as medidas punitivas em toda a sua extensão.

É preciso olhar para esse estado de coisas com atenção. Por isso, é imprescindível que os representantes do setor participem do debate e contribuam na construção de uma solução. O grande beneficiário de um debate em que todos os lados são ouvidos será o usuário do plano.

*Presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge)

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Artigo: "É hora de aumentar o acesso à saúde suplementar no Brasil"

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11.04.2024

Gustavo Ribeiro*

O balanço da saúde suplementar de 2023, divulgado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, órgão regulador do setor, traz dados que podem parecer conflitantes a quem desconheça o funcionamento do sistema. Pela primeira vez, 51 milhões de brasileiros têm acesso a planos de assistência médica — e, mesmo assim, o setor continuou a enfrentar resultado operacional negativo. No acumulado desde 2021, as perdas superam R$ 20 bilhões. Pode parecer paradoxal. Mas não é.

O descasamento entre esses dois dados mostra que a sustentabilidade do setor de saúde suplementar está em xeque. A explicação para esse estado de coisas tem, entre as suas raízes, o incontável número de questões técnicas que o setor tem de enfrentar. Uma delas são os crescentes gastos com reembolsos fraudulentos que, no acumulado de 2019 a 2023, superaram os R$ 10 bilhões, segundo estimativas da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge).

Outro ponto relevante é a judicialização indevida em excesso. Os dados do Conselho Nacional de Justiça são de tal ordem que poderiam soar como um exagero. Antes fosse. Em........

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