Esta semana comemorou-se mais um Dia Internacional da Mulher. Como sempre, evocou-se a situação da mulher na sociedade, na economia e nas carreiras profissionais, destacando-se invariavelmente a injustiça e desigualdade no capítulo salarial e no acesso a cargos dirigentes, ainda muito dominados pelos homens, penalizando as mulheres normalmente pela sua condição de mães.
A efeméride serviu também, além dos rotineiros negócios dos jantares, das flores, dos livros, dos perfumes, para a abertura de exposições, na nossa região, sobre a condição da mulher antes e depois do 25 de Abril, da responsabilidade do MDM – Movimento Democrático de Mulheres.
Aconteceu a abertura dessas exposições nas bibliotecas municipais de Vila Verde e de Fafe, muito por empenhamento da Comissão de Homenagem aos Democratas de Braga e no âmbito das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril de 1974.
Nessas mostras, é possível visualizar o imenso contraste relativamente aos direitos das mulheres durante o fascismo e após a reconquista da Democracia.
Sob o título “O tempo das discriminações e das opressões das mulheres”, e em quadros simbolicamente negros, são desenvolvidos conteúdos que vigoraram ao longo de quase 50 anos, no tempo do fascismo, com as suas máximas (de má memória) “Deus, Pátria, Família”.
Para quem não sabia, e fica a saber, o marido podia proibir a mulher de trabalhar fora de casa e podia rescindir o seu contrato profissional.
As mulheres ganhavam menos 40% do que os homens (infelizmente esta desigualdade ainda hoje se mantém, embora em percentagem bastante inferior, na ordem dos 15%, o que mesmo assim se lamenta) e não tinham acesso a carreiras como a magistratura, diplomática, militar e polícia.
As enfermeiras e hospedeiras não podiam casar, e as professoras apenas poderiam desposar homens que auferissem rendimentos iguais ou superiores a elas.
Em 1974, apenas um quarto dos trabalhadores eram mulheres e apenas 19% trabalhavam fora de casa. O único modelo de família aceite era através do casamento, que era maioritariamente católico e indissolúvel. O divórcio era residual.
A mulher podia ser repudiada pelo marido se não fosse “virgem” por altura do casamento e o marido podia matar a mulher em flagrante adultério. O marido tinha o direito de abrir a correspondência da mulher, o que hoje nos parecerá absolutamente inadmissível, mulher que não podia viajar para o estrangeiro sem autorização do cônjuge. As mulheres que fossem mães solteiras não tinham qualquer protecção legal, ficando entregues à sua sorte madrasta.
O marido era o “chefe de família” e detinha o poder marital e paternal: “mandava” na mulher e nos filhos.
Por outro lado, os médicos não estavam autorizados a receitar contraceptivos orais, a não ser a título terapêutico. De resto, a publicidade aos contraceptivos era proibida e a mulher não tinha o direito a tomar contraceptivos contra a vontade do marido, que podia fundamentar o pedido de divórcio ou separação judicial pelo facto de a mulher usar meios contraceptivos.
Não esqueçamos ainda que o aborto era proibido e punido com pena de prisão entre 12 e 8 anos. Por isso, era remetido à clandestinidade, sendo responsável pela terceira causa de morte materna. Por aquela altura, 43% dos partos era feita em casa, grande parte sem assistência médica.
Quanto aos direitos políticos, a imensa maioria das mulheres não tinha qualquer direito. Só podiam votar, até finais da década de 1960, as mulheres que fossem “chefes de família” e tivessem cursos médios ou superiores. Uma imensa minoria!
Finalmente, de referir que o papel social da mulher se resumia a procriar, a cuidar da casa, das crianças e da Igreja, e a respeitar servilmente a autoridade máxima exercida pelos homens, os pais, os irmãos, os maridos, os padres.
No enquadramento ideológico destas inenarráveis segregações, está um discurso de Salazar, de 1935, que refere: “O trabalho da mulher fora de casa desagrega esta, separa os membros da família, torna-os um pouco estranhos. Desaparece a vida em comum, sofre a obra educativa das crianças, diminui o número destas; e com o mau ou impossível funcionamento da economia doméstica, no arranjo da casa, no preparo da alimentação, no vestuário, verifica-se uma perda importante, raro materialmente recompensado pelo salário recebido”.
Estas ideias (hoje) obsoletas do ditador Salazar, que remetiam a mulher à casa, à cozinha e aos filhos, sem direitos, nem liberdades, um tempo de silenciamentos e humilhações, desafortunadamente ainda hoje fazem algum caminho nos terrenos da extrema direita política, populista e xenófoba, no estrangeiro e em Portugal.
Era o tempo das mulheres de Março, vítimas de opressão política e de repressão marital, de violência doméstica e de ausência de direitos legais, o que, felizmente, o 25 de Abril de 1974 permitiu alterar significativamente. Se hoje nem tudo está bem, e não está, havendo ainda um longo caminho de luta a percorrer, é inegável que a revolução de Abril abriu as portas para a igualdade entre homens e mulheres no trabalho, na família e na sociedade, aliás contemplada na Constituição da República Portuguesa. Os homens e as mulheres passaram a ter os mesmos direitos e deveres em termos cívicos, políticos e no relativo à educação dos filhos. As mulheres adquirem o direito de voto e não necessitam da autorização do marido para o exercício de uma profissão. Consagra-se o direito ao divórcio para todos os cidadãos casados e a garantia da igualdade de oportunidade na escolha de profissão e na progressão na carreira, bem como o acesso das mulheres a todos os cargos e carreiras profissionais.
A mulher adquire direitos antes impensáveis, como a licença de maternidade, o planeamento familiar materno-infantil, a abolição das disposições discriminatórias do direito da família, quanto à mulher e aos filhos, deixando a mulher de ter estatuto de dependência do marido. Além da consagração da despenalização da interrupção voluntária da gravidez, é reconhecida a natureza pública do crime de violência doméstica.
Que longe estão as mulheres de Abril das mulheres de Março. Estes 50 anos que decorreram desde 1974, representaram incomensuráveis conquistas das mulheres aos mais diversos níveis, sem a menor dúvida! E ainda bem, que a luta é constante e o poder feminino tende a explorar as suas máximas potencialidades, redimindo as mulheres de séculos de opressão e invisibilidade!

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“Mulheres de Março e de Abril!”

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10.03.2024

Esta semana comemorou-se mais um Dia Internacional da Mulher. Como sempre, evocou-se a situação da mulher na sociedade, na economia e nas carreiras profissionais, destacando-se invariavelmente a injustiça e desigualdade no capítulo salarial e no acesso a cargos dirigentes, ainda muito dominados pelos homens, penalizando as mulheres normalmente pela sua condição de mães.
A efeméride serviu também, além dos rotineiros negócios dos jantares, das flores, dos livros, dos perfumes, para a abertura de exposições, na nossa região, sobre a condição da mulher antes e depois do 25 de Abril, da responsabilidade do MDM – Movimento Democrático de Mulheres.
Aconteceu a abertura dessas exposições nas bibliotecas municipais de Vila Verde e de Fafe, muito por empenhamento da Comissão de Homenagem aos Democratas de Braga e no âmbito das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril de 1974.
Nessas mostras, é possível visualizar o imenso contraste relativamente aos direitos das mulheres durante o fascismo e após a reconquista da Democracia.
Sob o título “O tempo das discriminações e das opressões das mulheres”, e em quadros simbolicamente negros, são desenvolvidos conteúdos que vigoraram ao longo de quase 50 anos, no tempo do fascismo, com as suas máximas (de má memória) “Deus, Pátria, Família”.
Para quem não sabia, e fica a saber, o marido podia proibir a mulher de trabalhar fora de casa e podia rescindir o seu contrato profissional.
As mulheres ganhavam menos 40% do que os homens (infelizmente esta desigualdade ainda hoje se mantém, embora em percentagem bastante inferior, na ordem dos 15%, o que mesmo assim se lamenta) e não tinham acesso a carreiras como........

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