Com a Primavera veio, este ano, um novo governo resultante das eleições de 10 de Março, com uma Aliança Democrática que venceu por poucochinho um PS desgastado por oito anos consecutivos de governação, nem sempre com a clarividência, a competência e a capacidade que se esperaria.
O governo da AD tomou posse esta semana, sob a liderança de Luís Montenegro, sendo-lhe apontado desde logo o pecado original de ser construído mera- mente no âmbito partidário, sem grande abertura à sociedade envolvente. E, cá para nós que ninguém nos ouve, quem é que se disporia a sacrificar a sua vida e reputação científica ou profissional indo para um executivo que, seguramente, não terá mais de um ou dois anos de vida, apesar de Montenegro apontar a utopia de uma legislatura de quatro anos e meio, que nem António Costa conseguiu concretizar, ainda que com maioria absoluta?
E de boas intenções foi o discurso de tomada de posse do primeiro-ministro, capeado por uma intervenção bem mole do “padrinho” Marcelo Rebelo de Sousa, que finalmente consegue ter um chefe do executivo da sua cor política. E acha ele que já não era sem tempo, após tempos demais dos irritantes socialistas…
O Presidente da República lá foi referindo que os portugueses “escolheram dar a vitória ao setor moderado (da direita) e não ao setor radical do outro hemisfério”, ou seja, não deram a vitória ao Chega e alertou que o mandato de Montenegro será “complexo”, destacando alguns aspectos que vão exigir mais deste governo.
Em primeiro, o panorama internacional, que “pode piorar”, com as guerras na Ucrânia e em Gaza e a crise internacional de que se não lobriga o fim. Depois, a governação económica e social interna, avisando que “onde não temos problemas não os devemos criar” e aconselhando ao “consenso em mais crescimento, investimentos e exportações, no rigor das contas públicas, no controlo da dívida externa”. Vamos esperar para ver…
Em terceiro, a base de apoio político: “O Governo conta com o apoio solidário e cooperante do Presidente da República, que aliás nunca o regateou ao seu antecessor. Mas não conta com o apoio maioritário na Assembleia da República e tem de o construir com convergências”.
Por seu turno, Luís Montenegro, que começou a sua intervenção por referir que “cabe hoje a todos os agentes políticos mostrar a sua maturidade e o seu grau de compromisso com a vontade dos portugueses”, adiantou que “do lado do governo estaremos, como prometemos, focados essencialmente na resolução dos problemas das pessoas e na promoção do interesse nacional”, o que se exige a todos os governos, naturalmente. O mais disparatado vem a seguir, quando Montenegro adverte, enfaticamente, que “nesse contexto, vamos estar concentrados em cumprir o nosso programa, a melhor forma de prestigiar as instituições e dignificar a nobreza que é cuidar daquilo que é de todos”. E foi mais longe ao pressionar o Partido Socialista a clarificar que papel vai adotar, se de “oposição democrática” ou de “bloqueio democrático”.
Ora, sabendo-se que o governo resultante das eleições é um governo expressivamente minoritário, só por supina sobranceria e arrogância se pode admitir que diga que vai cumprir o seu programa. Claro que não vai. Obviamente que se quer ter algum sucesso na sua existência, tem de negociar com os partidos políticos, fazendo cedências ou ajustando alternativas.
E claramente não cabe ao Partido Socialista dar à AD a maioria que os portugueses não lhe outorgaram. Por isso, Montenegro ou se dispõe a dialogar com os partidos, em especial os do arco democrático e constitucional, ou tem governo para pouco tempo, como é mais que expectável, se bem que novas eleições no curto prazo só beneficiam a extrema-direita populista, demagógica, racista e xenófoba.
O certo é que há já duas iniciativas que são claras cedências ao ideário da extrema-direita.
A primeira foi enunciada por Montenegro na tomada de posse, quando anunciou como primeira grande medida o combate à corrupção, que naturalmente todos aplaudem:
“Este combate tem de ser nacional. Deve mobilizar todos. O Governo, como é público e claro do programa eleitoral sufragado pelos portugueses, tem propostas ousadas e inovadoras nesta matéria. Mas importa reconhecer que há propostas apresentadas pelos vários partidos parlamentares que merecem ser igualmente estudadas, discutidas e consideradas. Ninguém tem o monopólio das melhores soluções. O contributo de todos é essencial. Nesse sentido, gostaria de anunciar hoje: irei propor a todos os partidos com assento parlamentar a abertura de um diálogo com vista a uma fixar uma agenda ambiciosa, eficaz e consensual de combate à corrupção. O objetivo é no prazo de dois meses ter uma síntese de propostas, medidas e iniciativas que seja possível acordar e consensualizar, depois de devidamente testada a sua consistência, credibilidade e exequibilidade”.
O combate à corrupção é um vector relevante da política de qualquer governo (já o era do anterior), mas claramente a corrupção não tem a expressão concreta que os extremistas querem fazer crer. A “percepção da corrupção” é uma coisa, meramente ilusória e que advém de um empirismo que não tem sustentação na realidade; os dados da corrupção são outra coisa, que as estatísticas e os estudos científicos e académicos não legitimam com a dimensão que os populistas lhe querem emprestar.
O que está em causa é, mais que uma “resposta”, uma “cedência” a um combate ideológico da extrema-direita que faz da corrupção o seu cavalo de batalha, mas não é capaz de indicar casos concretos, e que vive de financiamentos obscuros que não consegue revelar. É como a questão dos alegados “tachos”. A função de Presidente ou de vice-Presidente da Assembleia da República é um “tacho” se for ocupado pelo PS ou pelo PSD, mas já é o exercício de um cargo se for ocupado por um ex-extremista do MDLP.
Uma segunda cedência, para já, tem a ver com a questão dos símbolos da República.
É significativo que a primeira medida do novo governo tenha sido a de acabar com o logotipo minimalista do governo anterior, que simplificou a comunicação digital, e meramente essa, numa iniciativa de modernismo que tem exemplos em países europeus mais avançados, próximos de nós.
Uma comunicação moderna acaba por regressar a um revivalismo patriótico muito paroquial e provinciano. Porque na questão dos símbolos, o que está em causa é um mero logotipo, não a mudança da bandeira nacional nem do hino nacional, cuja letra, convenhamos, e que ninguém nos oiça, está completamente desactualizada (quem é que hoje marcha contra canhões?)…
O logotipo de Montenegro faz voltar o escudo, as quinas e a esfera armilar, alegadamente para respeitar as “nossas referências históricas e identitárias”. E para respeitar o “nacionalismo” ridículo de Nuno Melo.
Apenas para que a extrema-direita não reclame esse exercício de salazarismo serôdio, mera questão da agenda política conservadora.

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“Primeira cedências à...”

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07.04.2024

Com a Primavera veio, este ano, um novo governo resultante das eleições de 10 de Março, com uma Aliança Democrática que venceu por poucochinho um PS desgastado por oito anos consecutivos de governação, nem sempre com a clarividência, a competência e a capacidade que se esperaria.
O governo da AD tomou posse esta semana, sob a liderança de Luís Montenegro, sendo-lhe apontado desde logo o pecado original de ser construído mera- mente no âmbito partidário, sem grande abertura à sociedade envolvente. E, cá para nós que ninguém nos ouve, quem é que se disporia a sacrificar a sua vida e reputação científica ou profissional indo para um executivo que, seguramente, não terá mais de um ou dois anos de vida, apesar de Montenegro apontar a utopia de uma legislatura de quatro anos e meio, que nem António Costa conseguiu concretizar, ainda que com maioria absoluta?
E de boas intenções foi o discurso de tomada de posse do primeiro-ministro, capeado por uma intervenção bem mole do “padrinho” Marcelo Rebelo de Sousa, que finalmente consegue ter um chefe do executivo da sua cor política. E acha ele que já não era sem tempo, após tempos demais dos irritantes socialistas…
O Presidente da República lá foi referindo que os portugueses “escolheram dar a vitória ao setor moderado (da direita) e não ao setor radical do outro hemisfério”, ou seja, não deram a vitória ao Chega e alertou que o mandato de Montenegro será “complexo”, destacando alguns aspectos que vão exigir mais deste governo.
Em primeiro, o panorama internacional, que “pode piorar”, com as guerras na Ucrânia e em Gaza e a crise internacional de que se não lobriga o fim. Depois, a governação económica e social interna, avisando que “onde não temos problemas não os devemos criar” e aconselhando ao “consenso em mais crescimento,........

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