Ainda não é desta vez que se retomará o tema do espaço público e o seu tratamento e a sua valorização, ou seja, o seu significado que atinge na actualidade.
Embora o tema seja, reconhecida e comprovadamente, pertinente, julga-se aproveitar o momento de rescaldo do acto eleitoral mais recente para abordar outro tema recorrente e não menos importante: a ocupação territorial do país e o evidente desequilíbrio de densidade, preenchimento e vivência que observa. Na verdade, indirectamente, este acto eleitoral evidenciou – ainda que pouco tenha sido relevado por tantos e tantos, nomeadamente aqueles políticos, analistas, jornalistas e similares – o quanto o país se litoralizou e o quanto se densificou no seu dito interior.

A distribuição de deputados – os representantes do povo – por distrito reduz-se a poucas unidades naqueles distritos mais encostados à raia com Espanha, seja Bragança, Castelo Branco ou Portalegre, norte ou sul. Em oposição, o número destes mesmos deputados por distrito multiplica-se várias vezes no litoral, num sinal evidente – já que existe relação directa e única entre o número de habitantes e o número de deputados por distrito – de concentração populacional que, sobretudo, entre Lisboa e Porto, estendida até Viana do castelo, hoje, caracteriza o país.
E se tal é preocupante para o equilíbrio urbano do território, da sua ocupação e geografia, da sua infraestruturação e valorização, vivência e identidade, não é menos preocupante a consequência de representação geográfica e populacional que tal situação verifica. Em evidência, a representatividade da população por parte dos deputados significa muito mais, ou deveria tal significar, do que a relação directa e matemática do número de habitantes, antes um efectivo espelho da realidade social e territorial do país, preenchendo a sua globalidade e dando perspectivas de salvaguarda que todo ele, sem excepção, seria atendido e valorizado, protagonista e liderado, exigente e defendido, num verdadeiro exercício e resultado de coesão territorial.

Porque é disto de que se trata: coesão territorial!
Num processo desequilibrado de concentração e perda populacional, num processo desatento perante as possibilidades, oportunidades e condicionalismos que se observam, caso não se actue prévia e prudentemente, esse mesmo processo é inexoravelmente prejudicial para a parte mais frágil e, na verdade, pouco mais beneficia a parte mais forte. Um deputado mais em distritos como Lisboa ou Porto, seja cinquenta ou cinquenta e um, pouca diferença fará. Um deputado em Portalegre ou Bragança, seja três ou quatro, muita diferença significará. Dir-se-á que tudo será uma questão de intensidade e abrangência e que se a “defesa” e a representação forem sentidas e qualificadas, tudo será garantido. Não se duvida desta condição necessária, mas questiona-se se tal é condição suficiente.

A coesão territorial vê-se e sente-se também por todos aqueles que nos representam e têm o dever de, focadamente, se preocuparem e cuidarem daqueles que, mais directamente, representam.
A distribuição territorial de deputados mostra o quão longe o país está da desejada e tão aclamada coesão territorial. E o quanto em vão a mesma expressão é usada no discurso político. Afinal, realidade bem demonstrada por estas eleições… quem se recorda de ter ouvido e ser valorizada a expressão “coesão territorial” no discurso político? E quantas vezes tal se ouviu nos debates entre os maiores candidatos a deputados?
(*e, porque também é uma forma indirecta de coesão territorial – difundir conhecimento, informar, reflectir, analisar e anunciar, investigar e debater, … - num momento complexo de “vida”, fica a marca de preocupação e solidariedade. E fica o sinal de que cuidar do jornalismo é também forma indirecta de cuidar da coesão territorial. Assim saibamos entender ambos nas suas reais e verdadeiras dimensões!).

Últimas Ideias

18 Março 2024

Eleições: entre a ilusão e a realidade

17 Março 2024

A lição que Braga deu nas eleições

Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos.

QOSHE - “É necessário ser diferente…” - Filipe Fontes
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

“É necessário ser diferente…”

32 0
18.03.2024

Ainda não é desta vez que se retomará o tema do espaço público e o seu tratamento e a sua valorização, ou seja, o seu significado que atinge na actualidade.
Embora o tema seja, reconhecida e comprovadamente, pertinente, julga-se aproveitar o momento de rescaldo do acto eleitoral mais recente para abordar outro tema recorrente e não menos importante: a ocupação territorial do país e o evidente desequilíbrio de densidade, preenchimento e vivência que observa. Na verdade, indirectamente, este acto eleitoral evidenciou – ainda que pouco tenha sido relevado por tantos e tantos, nomeadamente aqueles políticos, analistas, jornalistas e similares – o quanto o país se litoralizou e o quanto se densificou no seu dito interior.

A distribuição de deputados – os representantes do povo – por distrito reduz-se a poucas unidades naqueles distritos mais encostados à raia com Espanha, seja Bragança, Castelo Branco ou Portalegre, norte ou sul. Em oposição, o número destes mesmos deputados por distrito multiplica-se várias vezes no litoral, num sinal........

© Correio do Minho


Get it on Google Play