Caros leitores e caras leitoras, comecei a minha colaboração com o Correio do Minho em 2007 a convite do seu Diretor, Dr. Paulo Monteiro e mantive-a até 2017, sucedendo-se depois uma breve interrupção por considerar que no meio da azáfama profissional e familiar já não estava a conseguir a regularidade da minha colaboração.
Regressei, entretanto, em 2019, já não apenas como docente da Universidade do Minho, mas também como deputada independente eleita pelas listas do Partido Socialista ao Parlamento Europeu. E foi sobretudo como eurodeputada integrada na Comissão da Agricultura e do Desenvolvimento Rural e na Comissão das Pescas que procurei centrar os meus contributos mensais neste espaço.

No contexto dessa nova etapa da minha colaboração, emergiu um novo projeto que o Correio do Minho e a Antena Minho aceitaram e acarinharam: o programa mensal intitulado Território ConVIDA, cujos 30 episódios estão agora retratados no livro com o mesmo nome, lançado no passado dia 13 de Abril no Museu Nogueira da Silva. Tal como tive então oportunidade de sublinhar: “o mundo rural é importante porque é válido em si mesmo. Não precisa de justificar a sua existência por referência constante ao bem que faz aos que habitam as cidades. O mundo rural não é a geografia dos fins de semana agradáveis que de seguida se abandona (...) O mundo rural tem dignidade própria”. Foi esta a visão que norteou a minha luta no Parlamento Europeu nos últimos cinco anos. Uma amiga dizia-me há tempos que “como de costume, ficas do lado dos mais fracos: se não são os imigrantes e os refugiados, são os habitantes do mundo rural e os pequenos agricultores.” A minha amiga conhece-me bem, e creio que é de facto neste desejo de estar sempre do lado dos que têm menos voz, que encontro a verdadeira razão para ter abraçado a defesa do mundo rural.

O meu objetivo não foi o de passar uma imagem piegas, piedosa e parada de um mundo rural indefeso. Isso seria não só mesquinho como profundamente desrespeitoso. O meu objetivo foi, pelo contrário, mostrar um mundo rural que não se limita a resistir e a sobreviver, mas que luta por se projetar para o futuro, que tem ideias, projetos, vontade e vida.
Consciente dessa luta tantas vezes desigual, procurei ao longo deste mandato ser voz ativa na defesa de um mundo rural que não tenha de andar sempre a justificar o seu direito a existir com dignidade.
Alertei continuamente para o preço elevado que a Europa e a Democracia em particular, pagarão se permanecer esta desatenção às chamadas geografias do descontentamento;
Alertei para o despovoamento, para a necessidade de criar contextos que permitam não apenas criar projetos agrícolas, mas manter projetos de vida, e isso não se faz sem mobilidade, conectividade, acesso a serviços de educação, de saúde, de lazer;
Alertei para o problema da concentração de terras que torna cada vez mais difícil ao jovem agricultor a aquisição de terra;
Alertei para a necessidade de sabermos quem compra e o que faz com as terras de valor agrícola na Europa, e para que atividades económicas;
Alertei para a necessidade de mais apoios aos jovens, não apenas financeiros e fiscais, mas também técnicos e de aconselhamento, e para a necessidade de uma menor carga burocrática e administrativa, de modo a potenciar o êxito das suas candidaturas a fundos europeus;
Alertei para a importância de visões equilibradas sobre os sistemas agroalimentares, sem fundamentalismos, respeitando a cultura local, o valor de dietas como a dieta mediterrânica;
Alertei para a necessidade de uma Política Agrícola Comum que permita ao agricultor transitar sem sobressaltos, com apoio técnico e financeiro para sistemas de produção ambientalmente mais sustentáveis,
Alertei para a necessidade de uma séria aposta na comunicação e valorização da imagem que a sociedade tem sobre o papel do agricultor, sendo certo que este também não pode demitir-se de responsabilidades quanto à imagem que projeta na sociedade.

Alertei ainda para a necessidade imperiosa de reconhecermos no mundo rural a porta de entrada para a reconciliação com a natureza e desta forma, para a nossa própria sobrevivência.
Nós, que vivemos uma alarmante perda de biodiversidade vegetal e animal, que ignoramos a geodiversidade do nosso território, que mal conhecemos a saúde dos nossos solos; nós que assistimos à completa desregulação das estações do ano: nós temos a obrigação de perceber que uma relação sustentável com a natureza passa também por um mundo rural forte, e revitalizado.
Há que compreender que não se salva a natureza, despovoando e desertificando territórios rurais, deixando-os tornar-se mato e pasto de incêndios. Mas, assim como isto é verdade, também não é menos verdade que não se salva o mundo rural negando que este sofre, e muito, com a morte da biodiversidade. É um mau serviço que alguns prestam ao mundo rural passando a mensagem de que as preocupações com a sustentabilidade ambiental não passam de radicalismo verde. Se queremos que o mundo rural seja a geografia de esperança pela qual passa o nosso futuro, temos mesmo de o respeitar, e esse respeito não se compatibiliza com retóricas que instigam ao conflito.

Caros leitores e caras leitoras, não vos canso mais. Agora é tempo de pausa. Voltarei certamente a este espaço, de novo na condição de professora, mas sempre ao lado dos que tenham menos voz. Assim entendo a cidadania. Obrigada pela vossa atenção.

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“Ainda o mundo rural, antes de uma...”

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02.05.2024

Caros leitores e caras leitoras, comecei a minha colaboração com o Correio do Minho em 2007 a convite do seu Diretor, Dr. Paulo Monteiro e mantive-a até 2017, sucedendo-se depois uma breve interrupção por considerar que no meio da azáfama profissional e familiar já não estava a conseguir a regularidade da minha colaboração.
Regressei, entretanto, em 2019, já não apenas como docente da Universidade do Minho, mas também como deputada independente eleita pelas listas do Partido Socialista ao Parlamento Europeu. E foi sobretudo como eurodeputada integrada na Comissão da Agricultura e do Desenvolvimento Rural e na Comissão das Pescas que procurei centrar os meus contributos mensais neste espaço.

No contexto dessa nova etapa da minha colaboração, emergiu um novo projeto que o Correio do Minho e a Antena Minho aceitaram e acarinharam: o programa mensal intitulado Território ConVIDA, cujos 30 episódios estão agora retratados no livro com o mesmo nome, lançado no passado dia 13 de Abril no Museu Nogueira da Silva. Tal como tive então oportunidade de sublinhar: “o mundo rural é importante porque é válido em si mesmo. Não precisa de justificar a sua existência por referência constante ao bem que faz aos que habitam as cidades. O mundo rural não é a geografia dos fins de semana agradáveis que de seguida se abandona (...) O mundo rural tem dignidade própria”. Foi esta a visão que norteou a minha luta no Parlamento........

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