Uns dias antes do Natal estive quase uma semana fora do país, sem televisões, sem jornais e sem redes sociais. E, quando voltei, vinha com o sonho que o país tivesse mudado. Mas, afinal, constatei que continuava a mesma choldra de que falava d. Carlos nos finais do século XIX.
Nada se decide, tudo se discute, tudo se critica e, quando alguém faz, é tramado em pouco tempo. Depois de mais de 50 anos a discutir a construção do aeroporto e, depois de ser constituída uma Comissão Independente e de ter apresentado um Relatório Técnico, apontando para Alcochete, tendo em conta custos e benefícios, diz-se agora “que deve ser deitado ao lixo porque o mundo atual está cheio de incertezas” e, que, portanto, não é possível decidir.
Mas, voltando aos casos das gémeas e do denominado processo influencer. Quanto ao primeiro caso, não há propriamente responsabilidade de ninguém em particular. É a cultura política portuguesa no seu melhor. Na realidade, há uns tantos pilares do regime aos quais o sistema se dobra. O papel veio de Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, circulou, mas não passava pela cabeça de ninguém que o pedido, que não tinha contornos de pedido, não fosse satisfeito.
Conheci um caso de um familiar, o qual era responsável pela autorização, em termos sanitários, de uma pastelaria. Um outro pilar do regime fez saber, de forma indireta e sem se comprometer, que estava interessado na aprovação. Esse meu familiar negou a aprovação, mas sofreu as consequências. Na verdade, é ingénuo pensar que em Portugal todos são iguais. O país sempre foi assim e não foi a democracia que veio alterar esta estrutura de poder que é tão antiga como o país.
Estive na Albânia e fui visitar um bunker em pleno centro de Tirana, atualmente convertido em museu da resistência. E, lá se explicava como é que no regime estalinista de Enver Hoxa funcionava. Havia escutas por todo o lado, e, quando se desconfiava de algum cidadão, ou este era denunciado, era preso de imediato, seguia-se a investigação que acabava pela condenação e prisão.
Foi então que a minha mulher observou que algo de semelhante se passava em Portugal. Depois de uma denúncia, puseram-se os telefones sob escuta durante 4 anos, prenderam-se os suspeitos com o objetivo de serem investigados. Quer dizer, prende-se uma pessoa para ser investigada. Felizmente, apareceu um juiz que fez parar esta farsa.
Mas, é pior que na Albânia estalinista porque não se sabe quem investiga, qual o seu CV. a quem presta contas e, entretanto, os jornais e as televisões são informados meticulosamente de todo o andamento do processo. Desta forma, os suspeitos são condenados, mesmo que inocentes. É o julgamento na praça pública e a condenação na fogueira da opinião pública. E, desta decisão não há recurso.
Tentei explicar que o processo penal português era de tipo inquisitório e que remontava á Inquisição dos séculos XVI-XVIII, mas não convenci a minha mulher desta filosofia processual e da atuação dos Torquemadas do MP.

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“Esperemos por um novo ano”

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29.12.2023

Uns dias antes do Natal estive quase uma semana fora do país, sem televisões, sem jornais e sem redes sociais. E, quando voltei, vinha com o sonho que o país tivesse mudado. Mas, afinal, constatei que continuava a mesma choldra de que falava d. Carlos nos finais do século XIX.
Nada se decide, tudo se discute, tudo se critica e, quando alguém faz, é tramado em pouco tempo. Depois de mais de 50 anos a discutir a construção do aeroporto e, depois de ser constituída uma Comissão Independente e de ter apresentado um Relatório Técnico, apontando para Alcochete, tendo em conta custos e benefícios, diz-se agora “que deve ser deitado ao lixo porque o mundo atual está cheio de incertezas” e, que, portanto, não é possível decidir.
Mas, voltando aos casos das gémeas e do denominado processo influencer. Quanto ao primeiro........

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