O continente europeu é um autêntico museu ao ar livre, fruto das inúmeras referências históricas e turistas que aqui existem. A atração pela Europa originou, em 2023, e segundo o Eurostat, o número impressionante de 2,92 mil milhões de dormidas, só na União Europeia.
A França, por exemplo, é um dos destinos mais procurados a nível mundial, consequência das grandes referências que lá existem. Muitos turistas visitam Paris para apreciarem, por exemplo, o Palácio de Versalhes ou o Museu do Louvre, que estão intimamente ligados à célebre Revolução Francesa de 1789 e ao domínio exercido pelo imperador Napoleão Bonaparte.
Relativamente à nossa região, as invasões francesas, de inícios do século XIX, tiveram um grande impacto, tendo Braga sido um dos epicentros da 2.ª invasão.
Foi em março de 1809 que nesta região ocorreram alguns dos mais terríveis episódios que alguma vez aqui se verificaram. Os franceses, comandados por Soult, iniciaram o movimento de Chaves para Braga, no dia 14 de março, provocando na cidade dos arcebispos e nas redondezas uma enorme destruição e mortandade.
Jerónimo Pimentel publicou em “O Regenerador” três magníficos textos que são indispensáveis para quem quer conhecer melhor este período, analisando concretamente o terrível episódio que atingiu o general Bernardim Freire de Andrade.

No primeiro texto, de 29 de maio de 1887, Pimentel refere que o general Soult invadiu o norte de Portugal com um exército que contava com 19 500 homens de Infantaria, 4000 de Cavalaria e “22 peças de artilharia”.
Perante esta invasão, o general Bernardim Freire de Andrade ficou responsável por comandar o “exército de operações na província do Minho”. Assim, partiu do Porto com destino a Braga, fazendo-se acompanhar pelo barão de Eben, “um oficial prussiano ao serviço da Inglaterra, e que tinha sido incumbido de organisar o batalhão da leal legião lusitana”.
A disparidade de forças relativamente aos franceses era enorme, uma vez que Freire de Andrade tinha apenas 684 soldados de Infantaria. Para além desta limitação, lutava também com os ideais da revolução francesa que pairavam na mentalidade de algumas pessoas de Braga.

Foi neste verdadeiro “estado anarchico em que tumultuavam as massas inconscientes e obcecadas, que Bernardim Freire entrou em Braga, onde encontrou a funccionar uma junta de salvação publica”.
Segundo Jerónimo Pimentel, o general Freire de Andrade apercebeu-se de imediato do perigo da situação, uma vez que não tinha de combater só o exército francês, mas também “o fanatismo imbecil d’um povo desvairado”.
Bernardim Freire de Andrade ainda fortificou alguns locais do Minho, nomeadamente “os pontos de Ruivães, Salamonde e aquelles que n'aquella direcção lhe pareceram mais adquados para estorvar a passagem do inimigo”, mas depressa se espelharam boatos em Braga que os franceses facilmente romperiam essas defesas e “passavam sem resistência em Salamonde, e que caminhavam em direcção a Braga”.
Estes boatos tiveram um efeito psicológico terrível, verificando-se uma anarquia e desespero que “se manifestou em todo o seu auge desolador”. De seguida, o “povo louco e desvairado queria caminhar impetuoso ao encontro dos francezes. Mas nem tinha armamento, nem munições, e sobre tudo faltava-lhe a disciplina e o bom senso para ao menos obedecer”.

Neste cenário, Bernardim Freire de Andrade preparou a retirada, tentando desta forma evitar um banho de sangue entre os bracarenses. Ora, foi nesse preciso momento que “o general lavrou a sua sentença de morte afrontosa”.
Segundo Jerónimo Pimentel (“O Regenerador”, de 2 de junho de 1887) Freire de Andrade tentou sair de Braga, mas foi coberto de insultos e intimações por parte da população. Logo ao sair de Braga, o povo passou dos insultos às “ameaças, e no sitio da Garapoa o general esteve em risco de ser morto pelo povo tresloucado, no delirio da sua agitação feroz”.
Enquanto os franceses se aproximavam de Braga, provocando uma enorme mortandade na serra de Carvalho D’Este, Bernardim Freire seguia “no seu caminhar lento e angustioso pela estrada do Porto”.
Os bracarenses estavam de tal ordem assutados que “No meio d’aquella indiscriptivel desordem não havia uma cabeça que raciocinasse, não havia uma ideia determinada que guiasse e dirigisse a população afilicta”.

Os populares desorientados deambulavam “d’um ponto a outro da cidade, impressionados pela ideia dos horrores que anteviam com a entrada dos francezes na cidade”; outros populares corriam desesperados para se juntarem “aos que no Carvalho de Este julgavam poder oppor alguma resistência séria á invasão do inimigo; outros mais cautelosos e prudentes procuravam pôr a salvo as suas cousas mais preciosas, ou escondendo-as” onde podiam.
Até as religiosas dos conventos dos “Remédios, da Conceição, das Ursulinas e do Salvador, vendo que o arcebispo e o bispo coadjuctor fugiram para o Porto, também resolveram abandonar a clausura”.
Entretanto, a situação de Freire de Andrade tornava-se cada vez mais insustentável, perante o descontrolo da “populaça armada de espingardas, chuços, fouces e outros armamentos caricatos e ridículos”.
Foi então que em Tebosa a “6 ou 7 kilometros distante de Braga, quando as ordenanças d’aquella freguezia, na sua fúria ameaçadora, estorvaram o passo” a Freire de Andrade, cercaram-no e levaram-no para Braga “a pé, desarmado, coberto de ultrages e de violências”.

Segundo Jerónimo Pimentel (“O Regenerador”, de 5 de junho de 1887), Freire de Andrade entrou em Braga, “preso pela turba dos maltrapilhos que não cessava de o injuriar cobardemente”.
A cidade apresentava um aspeto “triste e horrível” vendo Freire de Andrade ser arrastado pelas ruas da cidade, não sofrendo só “as injurias do povo desvairado; sentia nos maus tratos o pronuncio do assassinato que o esperava”.
No meio de toda esta confusão, ouviam-se ora “os vivas” ora “os morras ao infeliz general Freire d’Andrade”. Foi então que, no momento em que o general “ia a caminho do castello, quando uns acelerados se lançaram a elle prostrando-o por terra”!
De seguida, o cadáver de Freire de Andrade foi arrastado pelas ruas de Braga, ficando realizado “o falso e estúpido patriotismo d’uma plebe tresloucada pelo fanatismo”.

Os exércitos franceses entraram em Braga a 20 de março de 1809 e depararam-se com uma cidade deserta, podendo ainda “ver os vestígios do sangue que deixou nas ruas da cidade o cadaver mutilado do general portuguez”.
A espada de Freire de Andrade foi entregue “pelas mãos ensanguentadas d’um homem do povo ao barão de Eben, que recebeu horrorisado e constrangido aquelle triste legado”.
O episódio em torno de Bernardim Freire de Andrade, uma enorme nódoa na história de Braga, deveria merecer uma maior divulgação na nossa região.
A criação de um mural evocativo deste episódio, a colocação de uma estátua em honra de Freire de Andrade, ou a recriação histórica deste acontecimento, honraria a memória do general e preservaria a nossa memória coletiva.

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“Freire de Andrade - A nódoa na...”

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18.02.2024

O continente europeu é um autêntico museu ao ar livre, fruto das inúmeras referências históricas e turistas que aqui existem. A atração pela Europa originou, em 2023, e segundo o Eurostat, o número impressionante de 2,92 mil milhões de dormidas, só na União Europeia.
A França, por exemplo, é um dos destinos mais procurados a nível mundial, consequência das grandes referências que lá existem. Muitos turistas visitam Paris para apreciarem, por exemplo, o Palácio de Versalhes ou o Museu do Louvre, que estão intimamente ligados à célebre Revolução Francesa de 1789 e ao domínio exercido pelo imperador Napoleão Bonaparte.
Relativamente à nossa região, as invasões francesas, de inícios do século XIX, tiveram um grande impacto, tendo Braga sido um dos epicentros da 2.ª invasão.
Foi em março de 1809 que nesta região ocorreram alguns dos mais terríveis episódios que alguma vez aqui se verificaram. Os franceses, comandados por Soult, iniciaram o movimento de Chaves para Braga, no dia 14 de março, provocando na cidade dos arcebispos e nas redondezas uma enorme destruição e mortandade.
Jerónimo Pimentel publicou em “O Regenerador” três magníficos textos que são indispensáveis para quem quer conhecer melhor este período, analisando concretamente o terrível episódio que atingiu o general Bernardim Freire de Andrade.

No primeiro texto, de 29 de maio de 1887, Pimentel refere que o general Soult invadiu o norte de Portugal com um exército que contava com 19 500 homens de Infantaria, 4000 de Cavalaria e “22 peças de artilharia”.
Perante esta invasão, o general Bernardim Freire de Andrade ficou responsável por comandar o “exército de operações na província do Minho”. Assim, partiu do Porto com destino a Braga, fazendo-se acompanhar pelo barão de Eben, “um oficial prussiano ao serviço da Inglaterra, e que........

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