“Quando as palavras não são tão dignas quanto o silêncio, é melhor ficar calado”
(Eduardo Galeano)

Quando, em 29 de Dezembro passado, o presidente da República promulgou o diploma do Governo que regula a atribuição do suplemento de regime especial de prestação de trabalho na Polícia Judiciária, bem como o diploma que procede à valorização remuneratória da Polícia Municipal, o Chefe de Estado estava consciente dos problemas que a sua decisão iria provocar.
Prova evidente dessa consciencialização foi o facto de Marcelo ter referido as contestações que o diploma estaria a suscitar, levando-o mesmo a chamar a atenção para a “justa insatisfação” das forças de segurança e outras entidades, e para a “imperiosidade e urgência de medidas que deem sequência ao trabalho já em curso no atual Executivo e possam também compensar os membros dessas Forças pelos esforços, sacrifícios e riscos que enfrentam no exercício das respetivas funções”.
Creio que tudo poderia ter sido evitado. É inegável que o diploma do Executivo de António Costa foi um erro grave, um autêntico tiro nos pés, mas, em todo o caso, tal não pode servir de justificação para algumas das acções de protesto entretanto levadas a cabo. Os portugueses, que acreditam e precisam das forças da ordem, assistiram estupefactos a protestos que por vezes ultrapassaram inadmissivelmente a linha do bom senso e, bastante mais grave, a linha da legalidade. Sim, entrar no campo da ilicitude, numa área sensível que os próprios manifestantes, enquanto agentes da ordem, juraram combater, constitui um precedente gravíssimo que um regime democrático nunca poderá tolerar.
E, neste caso, nem adianta fazer uso de vocábulos como justiça ou equidade para construir uma argumentação em defesa das suas reivindicações. Algumas das manifestações, alguns dos actos de protesto, foram excessivos e, nessa medida, retiraram a razão aos manifestantes e, naturalmente, contribuíram para que eles tivessem perdido parte do apoio que, de um modo geral, a opinião pública lhes havia concedido no início.
A Plataforma dos sindicatos da PSP e associações da GNR tem insistido na necessidade de os protestos respeitarem o enquadramento legal, afiançando mesmo que as suas "linhas vermelhas" de atuação "estão definidas", mas admitiu existirem polícias a tomar decisões que "extravasam" a estrutura sindical, reconhecendo a existência de inorgânicos que estão a sair do controlo das estruturas sindicais.
Agora que a campanha oficial para as legislativas de 10 de Março já está em marcha, e que a Plataforma suspendeu os protestos até às eleições, uma decisão acertada que visa não interferir no processo eleitoral, espera-se que os poucos desalinhados acatem essas orientações, isto é, que cumpram escrupulosamente a legalidade democrática, assumindo o modelo de civismo que a população espera das suas forças da ordem.
E uma vez que se fala de campanha eleitoral, não quero deixar passar a oportunidade de fazer uma breve abordagem sobre esta matéria.
Os debates de pré-campanha, quase todos extremamente fastidiosos e pouco esclarecedores, serviram para elevar o ego de alguns postulantes e tirar conclusões sobre a sua (in)capacidade, já não direi para governar, mas inclusivamente para a sua capacidade de relacionamento humano, com educação e respeito pelo outro. Grande parte dos confrontos saldou-se por mais uma oportunidade perdida. E com isso, todos perdemos, porque o foco dos debates, ou seja, o esclarecimento da opinião pública, a elucidação daqueles que em 10 de Março serão os eleitores, raramente aconteceu.
Independentemente de outros temas de inegável relevância, causou-me enorme estupefacção o facto de a Cultura não fazer parte do léxico dos principais candidatos. E esse alheamento ou secundarização tem tanto de perigoso como de assustador, sabendo-se que a Cultura é um elemento fundamental para um país, pois reflecte a identidade, os valores, as crenças e tradições de uma sociedade.
Os políticos, todos eles, têm de meter na cabeça que a Cultura está longe de ser uma flor que se coloca na lapela em dias festivos. Longe disso! Trata-se de uma componente relevante no desenvolvimento económico e social, na medida em que assume um papel impulsionador das indústrias criativas, do turismo e também do comércio.
Nessa medida, a quota-parte que desempenha na coesão social também não é despiciendo, sendo certo que a Cultura assume um papel de grande relevo, diria mesmo fundamental, na construção de uma sociedade mais harmoniosa, inclusiva e rica em diversidade.
Torna-se, assim, extremamente difícil de compreender este “esquecimento” generalizado, esta desvalorização de uma dimensão tão importante do desenvolvimento pessoal e colectivo. Esperemos que a Cultura adquira finalmente o estatuto que merece e a que na verdade tem direito.

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“Excessos e ausências da...”

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27.02.2024

“Quando as palavras não são tão dignas quanto o silêncio, é melhor ficar calado”
(Eduardo Galeano)

Quando, em 29 de Dezembro passado, o presidente da República promulgou o diploma do Governo que regula a atribuição do suplemento de regime especial de prestação de trabalho na Polícia Judiciária, bem como o diploma que procede à valorização remuneratória da Polícia Municipal, o Chefe de Estado estava consciente dos problemas que a sua decisão iria provocar.
Prova evidente dessa consciencialização foi o facto de Marcelo ter referido as contestações que o diploma estaria a suscitar, levando-o mesmo a chamar a atenção para a “justa insatisfação” das forças de segurança e outras entidades, e para a “imperiosidade e urgência de medidas que deem sequência ao trabalho já em curso no atual Executivo e possam também compensar os membros dessas Forças pelos esforços, sacrifícios e riscos que enfrentam no exercício das respetivas funções”.
Creio que tudo poderia ter sido evitado. É inegável que o diploma do Executivo de António Costa foi um erro grave, um autêntico tiro nos pés, mas, em todo o caso, tal não pode servir de justificação para algumas das acções de protesto entretanto levadas a cabo. Os portugueses, que acreditam e precisam........

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