Quando há o objetivo de aumentar o número de utilizadores de bicicleta numa cidade, não significa que se pretenda que toda a população passe a utilizar a bicicleta e que o carro passe a ser proibido. Pretende-se sim um reequilíbrio num sistema que está completamente desequilibrado a favor do transporte individual, com graves prejuízos para a saúde pública, a sinistralidade e a autonomia das pessoas. Nesse reequilíbrio o carro terá que ser considerado, pois pode ser necessário para certo tipo de deslocações.
As cidades europeias só conseguiram ver aumentar o número de pessoas a andar de bicicleta quando construíram infraestrutura dedicada para o efeito. A redistribuição não foi feita de qualquer maneira, houve uma política de mobilidade holística, onde o peão, a bicicleta e o transporte público têm prioridade no redesenho do espaço público da cidade.
Ao nível da bicicleta há uma condição fundamental, uma condição necessária: é preciso ter uma rede ciclável. A rede precisa de estar bem construída, de ser direta, cómoda, de permitir ligações rápidas, atrativas e garantir que quem nela circula tenha segurança. Uma rede ciclável bem desenhada tem um cuidado especial no desenho dos cruzamentos, entroncamentos e rotundas.
Claro que há em todas as cidades pessoas que são contra a inovação e resistem à mudança, que dizem que é “impossível pedalar na cidade”, que a “cidade é muito chuvosa”, “que faz muito calor”, que “tem muitos declives”, que “não há cultura da bicicleta”.
Certo é que em Sevilha, onde faz mais calor do que em Braga, tem uma rede ciclável e 12% de utilização da bicicleta, San Sebastian, onde tem mais declives do que em Braga, tem uma rede ciclável e 13% de utilizadores da bicicleta e Nantes, onde chove mais dias do que em Braga, tem uma rede ciclável tem 6% de utilizadores da bicicleta. Nas cidades do Norte e Centro da Europa, com clima mais agreste do que Braga, tem percentagens de utilização da bicicleta que atingem mais de 30%.
Os objetivos definidos pelo Município de Braga são ter 10% de utilizadores de bicicleta até 2025. Para alcançar estes objetivos já ficou claro que não bastam os programas de incentivo financeiro para a utilização da bicicleta. É necessário um investimento prévio na reorganização da infraestrutura. Sem infraestrutura adequada, as crianças não pedalam na cidade, nas deslocações casa-escola, as mães e os pais não levam os filhos à escola de bicicleta, e a maior parte dos adultos não vai trabalhar de bicicleta.
Braga continua a fazer investimento em ciclovias desgarradas, sem ligação, que não produzem efeito de rede, que estão mal dimensionadas ou que não são diretas. Continua-se a investir a conta-gotas na mobilidade em bicicleta.
Em Braga está anunciado um projeto de 230 mil euros para uma “ecovia” em pleno centro da cidade, que estraga o Jardim entre o Bill’s Sport e o Restaurante Estrelas do Mar na Avenida Frei Bartolomeu dos Mártires, num percurso aos esses, sem qualquer ligação útil para as deslocações urbanas.
Na Av. Frei Bartolomeu dos Mártires, que tem 60 metros de fachada a fachada e 25 metros de passeio a passeio, há intenção de ali colocar o BRT que deve ser compatibilizado com a ciclovia prevista no PDM ao longo de toda a avenida, tornando aquela “ecovia” desnecessária e prejudicial para o ecossistema.
Há que adoptar um critério para as ciclovias, podendo para isso recorrer aos manuais de desenho de ruas e avenidas, seja o manual português do IMT, o francês da CERTU ou o holandês da CROW (onde o português se inspira).
Num ambiente hostil como o que hoje a cidade oferece, apenas os mais destemidos usam a bicicleta. É necessário tornar o ambiente favorável para se pedalar. Depois disso, depois da rede ciclável construída, aí sim, inserem-se outras medidas que potenciem o uso dessa rede. Para isso não são necessários 12 anos, Sevilha fê-lo em 18 meses e também tinha problemas urbanísticos velhos e parecidos com os nossos. Paris esteve décadas a tentar promover o uso da bicicleta e só conseguiu o boom de utilização da bicicleta quando criou a rede ciclável e redistribuiu o espaço público.
Uma cidade como Braga, que pertence à rede Cities & Regions for Cyclists da European Cyclists Federation, compatibiliza ciclovias com canais dedicados ao transporte público nas intervenções das grandes Avenidas, como por exemplo os casos de Nantes, Hamburgo ou Zurich, que também fazem parte desta rede.
O discurso sobre o uso da bicicleta está condicionado politicamente pela sociedade, estando já normalizado.
O Município não tem sido capaz de acompanhar o ritmo e as exigências da sociedade ao nível da mobilidade: os passeios continuam maus, muitas passadeiras inacessíveis, as ciclovias são poucas e estão desconectadas e faltam canais dedicados para o transporte público.
A mobilidade induz-se.

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“A política de mobilidade em...”

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25.02.2024

Quando há o objetivo de aumentar o número de utilizadores de bicicleta numa cidade, não significa que se pretenda que toda a população passe a utilizar a bicicleta e que o carro passe a ser proibido. Pretende-se sim um reequilíbrio num sistema que está completamente desequilibrado a favor do transporte individual, com graves prejuízos para a saúde pública, a sinistralidade e a autonomia das pessoas. Nesse reequilíbrio o carro terá que ser considerado, pois pode ser necessário para certo tipo de deslocações.
As cidades europeias só conseguiram ver aumentar o número de pessoas a andar de bicicleta quando construíram infraestrutura dedicada para o efeito. A redistribuição não foi feita de qualquer maneira, houve uma política de mobilidade holística, onde o peão, a bicicleta e o transporte público têm prioridade no redesenho do espaço público da cidade.
Ao nível da bicicleta há uma condição fundamental, uma condição necessária: é preciso ter uma rede ciclável. A rede precisa de estar bem construída, de ser direta, cómoda, de permitir ligações rápidas, atrativas e garantir que quem nela circula tenha segurança. Uma rede ciclável bem desenhada tem um cuidado especial no desenho dos cruzamentos, entroncamentos e rotundas.
Claro que há em todas as cidades pessoas que........

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