Uma cidade que obriga os seus habitantes a ter um carro para poderem fazer a vida diária, não é uma cidade exemplar no que toca à mobilidade sustentável. As cidades continuarão a ter espaço para a utilização do carro, mas terá que ser possível viver na cidade sem precisar do mesmo. Hoje em dia isso já acontece em várias cidades Europeias, mas em Braga continuamos a ser obrigados a ter carro.
Não porque a cidade é grande, ou porque chove, ou por causa dos declives, ou por causa da mentalidade. O motivo é o ambiente construído, o espaço público, ele é hostil para todos aqueles que não usam o carro. O ambiente construído, as ruas e avenidas, são hostis para a mobilidade sustentável.
Quando aprofundamos a questão passamos a saber que o ambiente construído, ou seja, desenho das ruas, o urbanismo e o design urbano, é que são os verdadeiros influenciadores das escolhas diárias de modo de transporte.
Ao longo de 10 anos a Câmara Municipal de Braga tem vindo “paulatinamente” a “estudar”. Vai-se o dinheiro todo em estudos. É preciso estudar q.b. porque senão, quando se quer passar à ação, já não há dinheiro. Ou será que falta é a coragem e então manda-se estudar tudo para ver se se empurra o problema para o próximo?
O investimento na Mobilidade Ativa não chegou a 1% do orçamento da Câmara nestes anos todos. Opção política. Ao longo de 10 anos, não se fez nada de forma radical, de uma vez só, como fez Sevilha em 18 meses, nem paulatinamente, como uma mancha de óleo. Não se aproveitou o período de confinamento para fazer mudanças nas avenidas e ruas da cidade. Não temos nem estratégia, nem plano.
Estamos longe de ser o melhor destino Europeu ou uma cidade exemplar no que toca à mobilidade. Quem vive na cidade, no dia-a-dia, sabe perfeitamente isso. Quem viaja um pouco pela Europa tem ainda mais certezas disso. Temos a hipótese de o ser um dia, mas ainda não somos, infelizmente. Continuamos a ser a terceira cidade mais poluída do país, a terceira com mais sinistros, onde há, em média, um atropelamento a cada três dias. Não somos uma cidade exemplar para as crianças. Elas não conseguem ir a pé ou de bicicleta em segurança e autonomia. Quando isso for possível, talvez aí sejamos uma cidade exemplar.
Não somos uma cidade exemplar para as Pessoas com Mobilidade Reduzida. Enfrentam-se obstáculos impensáveis nesta cidade, ao ponto de não se conseguir sair das suas casas porque a via pública os impede, ou de ter que se circular na faixa de rodagem porque os passeios na cidade são pequenos ou têm obstáculos estranhos. Não se permite autonomia, quando a passadeira semaforizada da Rua D. Frei Caetano Brandão tem lancis rampeados com inclinações impossíveis de se ultrapassarem numa cadeira de rodas. Não somos uma cidade exemplar para as pessoas que andam a pé. Continuamos com as passagens aéreas e subter- râneas, que nos obrigam a um percurso 10 vezes superior (para além de serem estruturas ilegais). Continuamos com passeios exíguos em pleno centro histórico. Continuamos com passadeiras rebaixadas. Continuamos com cruzamentos apenas com três passadeiras, quando deviam ter quatro. Continuamos sem prioridade aos peões.
Não somos uma cidade exemplar para as pessoas que andam de bicicleta. Continuamos com uma “Rodovia” e uma Avenida Padre Júlio Fragata com velocidades que chegam ao triplo do limite legal, sem ciclovias, com os mesmos túneis e viadutos que se vão aterrando e desmantelando pela Europa fora. Continuamos sem rede ciclável. Continua a Câmara a fazer ciclovias a começar e a acabar em lado nenhum. Sem coesão, sem segurança, sem conectividade. Continua a Câmara a manter todo o perigo existente no seu centro novo, a rotunda das piscinas. Continua sem cumprir o previsto no Plano Diretor Municipal. Continua a tratar mal quem anda de bicicleta.
Não somos uma cidade exemplar para as pessoas que andam de transporte público. Continuamos com paragens inacessíveis, onde é preciso passar pelo meio dos carros para ir do passeio até ao autocarro. Continuamos sem critério nas paragens. Continuamos sem vias BUS dedicadas. Continuamos com carros estacionados e parados nas paragens. Continuamos com os autocarros no meio do trânsito. Continuamos a ter um transporte público que não é mais rápido que o carro. Continuamos com a Câmara a tratar mal os TUB, não lhes dando prioridade em lado nenhum. Continuamos com a Câmara a querer, unilateralmente, retirar o autocarro de um eixo que tem transporte público desde sempre, e onde estes cabem. Afinal, em Grenoble encontraram soluções de duplo sentido para transporte público e passeios e bicicletas em ruas com 6 metros de largura! Na Rua D. Pedro V, com 10 metros, dizem que não dá.
Continuamos sem ligação direta e rápida a pé, de bicicleta ou de transporte público desde o centro da cidade à Universidade que atravessa uma zona histórica densamente povoada.
Continuam a dizer que os peões não podem conviver com os Transportes Públicos, nem tampouco as bicicletas, mas depois visitam cidades com zonas de coexistência onde isso acontece, e que referem como ser exemplos que querem seguir.
É preciso andar na rua para perceber que há coisas que têm que ser corrigidas para depois se convidarem as pessoas a mudar a forma de se deslocar. Não podemos convidar as pessoas para um sítio que é perigoso, que é mortal. Há medo nos bracarenses, e apenas isso os impede de fazer a transição modal, a mudança para um outro modo de transporte. É preciso mudar as nossas avenidas e ruas para convidar as pessoas a utilizarem outros modos de transporte. Muitos são os bracarenses que gostariam de fazer a mudança, mas têm medo de o fazer.
E é normal que tenham, porque estamos longe, muito longe de ser uma cidade exemplar ao nível da mobilidade sustentável. Antes de dedicar tempo a algumas mudanças comportamentais, é preciso reorganizar a infraestrutura e criar as condições para essas alterações.
A mobilidade induz-se.

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“Uma cidade pouco exemplar na...”

13 0
03.12.2023

Uma cidade que obriga os seus habitantes a ter um carro para poderem fazer a vida diária, não é uma cidade exemplar no que toca à mobilidade sustentável. As cidades continuarão a ter espaço para a utilização do carro, mas terá que ser possível viver na cidade sem precisar do mesmo. Hoje em dia isso já acontece em várias cidades Europeias, mas em Braga continuamos a ser obrigados a ter carro.
Não porque a cidade é grande, ou porque chove, ou por causa dos declives, ou por causa da mentalidade. O motivo é o ambiente construído, o espaço público, ele é hostil para todos aqueles que não usam o carro. O ambiente construído, as ruas e avenidas, são hostis para a mobilidade sustentável.
Quando aprofundamos a questão passamos a saber que o ambiente construído, ou seja, desenho das ruas, o urbanismo e o design urbano, é que são os verdadeiros influenciadores das escolhas diárias de modo de transporte.
Ao longo de 10 anos a Câmara Municipal de Braga tem vindo “paulatinamente” a “estudar”. Vai-se o dinheiro todo em estudos. É preciso estudar q.b. porque senão, quando se quer passar à ação, já não há dinheiro. Ou será que falta é a coragem e então manda-se estudar tudo para ver se se empurra o problema para o próximo?
O investimento na Mobilidade Ativa não chegou a 1% do orçamento da Câmara nestes anos todos. Opção política. Ao longo de 10 anos, não se fez nada de forma radical, de uma vez só, como fez Sevilha em 18 meses, nem paulatinamente, como uma mancha de óleo. Não se aproveitou o período de confinamento........

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