E pronto, temos um novo Governo, já em plenas funções. Ao longo de uma campanha eleitoral marcada por um registo de leilão e ofertas mil, veremos como vai ser, esperando certamente pelo melhor.
Entretanto, a constituição do Governo é um mix, por entre personalidades técnicas com competência reconhecida, políticos já muito batidos e algumas novidades tipo cheque em branco. Por mim, preferia ter como Ministro das Finanças um macroeconomista em lugar de um especialista em finanças empresariais, mas pronto é apenas uma opinião. E o novo ministro irá ser assessorado por um novo Secretário de Estado do Orçamento que foi economista chefe de uma importante instituição bancária. No caso da Justiça, coube a sorte a Rita Júdice, filha de um dos mais reputados advogados e comentadores da nossa praça, “herdeira” digamos assim de uma sociedade de advogados que dá cartas na assessoria a empresas e instituições financeiras. Todos têm de fazer pela vida.

A Câmara de Cascais, onde o vice-presidente passou a Ministro das Infraestruturas, já está na mira da Judiciária, mas o seu presidente já esclareceu que só ele próprio trabalhava; os restantes, vice e vereadores estavam confinados em casa durante o Covid, e não trabalhavam, nem tinham meios de comunicação nem nada. Durante esse período, dei aulas sempre, on-line, mas pronto fui eu e mais uns quantos tansos pelo país, não o Miguel Pinto Luz. E agora o novo ministro tem adequadamente a colaborar com ele, diz-se por aí pelas redes sociais, um Secretário de Estado que foi sócio da Mckinsey, uma reputada consultora americana que aconselha empresas e governos por todo o mundo em assuntos de natureza estratégica. Pronto, também está bem, têm que tratar da TAP, e da CP, etc. E para não haver invejas, e de acordo com as mesmas fontes, parece que a Secretária de Estado da Saúde também tem no seu currículo outra reputada empresa de consultadoria, a KPMG.

O novo Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares ficou conhecido por uma linguagem um pouco excessiva, digamos assim, o que certamente poderá não facilitar a vida de um governo minoritário que, teoricamente, poderá precisar de estabelecer pontes e acordos. Mas pronto, as pessoas mudam, certamente que mudam ao longo da vida…
As relações familiares, tão criticadas no passado, marcam também presença agora. Qual o problema? Então no FCP, entre o seu treinador e um dos jogadores não existe uma relação filial? Pois, dizem que para além de Rita Júdice, filha de José Miguel Júdice, a nova Secretária de Estado da Inclusão Social é irmã de Marques Mendes, e a Ministra do Trabalho é mãe de uma vice-presidente do PSD. Fica tudo em casa, e minimizam-se já agora eventuais críticas dos comentadores de serviço nos media. Só vantagens.

Entretanto, o governo entrou em funções. Começou por mudar o logotipo, uma questão muito mais relevante do que poderá parecer numa primeira análise. Colocou-se de parte o logotipo que vinha sendo usado, representando as cores nacionais, para voltar a utilizar a esfera armilar e as quinas. O debate envolveu diferentes designers, uns a favor outros contra, o habitual. Como não tinha dado conta da alteração anterior, limito-me a constatar a sinalização da importância dada ao retorno da simbologia tradicional.
Por esta semana, fez notícia a apresentação de um livro a cargo de Pedro Passos Coelho, e que reúne as opiniões de reconhecidos conservadores da nossa praça. Não faço qualquer tenção de alocar os meus euros à compra do mesmo. Parece que vai no sentido de opiniões que tenho cada vez mais vindo a ouvir sobre o papel da mulher, segundo as quais cabe à mulher voltar ao remanso do lar, dedicar-se em exclusivo ao “lavar de escadas” e atividades relacionadas, e abster-se de qualquer opinião ou intervenção pública, nomeadamente no mercado de trabalho. Sinal dos tempos?

Permitam-me que preste aqui uma homenagem póstuma. Há quase 50 anos, quando vim viver para o Minho, conheci, entre os mais, uma velhinha. Rural, com quase 90 anos, nunca tinha saído da zona restrita onde nascera. Conforme era ao tempo tradicional, foi casada, pouco mais do que criança, com um senhor bem mais velho. O casamento, arranjado, permitiria a sustentação do património familiar, aparentemente posto em risco. Nada de mais, toda a literatura romântica do século XIX aborda este tema de forma brilhante. O futuro marido tinha andado envolvido nas campanhas aventurosas em África, e voltava então com um património relevante e uma situação de saúde complexa e contagiosa. O casamento ocorreu, bem como o contágio, e passados alguns anos, poucos ao que parece, a senhora ficou viúva e sem filhos. Herdou o património, e viveu sempre discriminada na família que não era a sua. Trabalhando sempre de sol a sol.

Quando a conheci, gostava de contar a sua história. Inteligente, racional, queixava-se apenas de uma coisa, e com uma dor profunda e constante: não sabia ler nem escrever. Nenhuma das famílias lhe tinha permitido aprender, sempre assumido como desnecessário e potencialmente perigoso para o papel de uma mulher.
Quando tomei a decisão de voar para os Estados Unidos para fazer o doutoramento, aproveitando uma oportunidade que me era colocada, as ondas de choque foram complicadas. Teria de ir desde logo sozinha, levando comigo apenas a minha filha, então com 12 meses. Essa velhinha rural, que nunca tinha saído da sua aldeia, e que eu conhecia apenas através das suas histórias de vida, foi a única pessoa que me disse “Vá. Não olhe para trás. Se vai aprender coisas, se é bom para o seu futuro, se pode mudar a sua vida e da sua bebé, vá. Por mim”.
A força de uma mulher. O mais que o leve o vento.

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“Sinais”

8 0
12.04.2024

E pronto, temos um novo Governo, já em plenas funções. Ao longo de uma campanha eleitoral marcada por um registo de leilão e ofertas mil, veremos como vai ser, esperando certamente pelo melhor.
Entretanto, a constituição do Governo é um mix, por entre personalidades técnicas com competência reconhecida, políticos já muito batidos e algumas novidades tipo cheque em branco. Por mim, preferia ter como Ministro das Finanças um macroeconomista em lugar de um especialista em finanças empresariais, mas pronto é apenas uma opinião. E o novo ministro irá ser assessorado por um novo Secretário de Estado do Orçamento que foi economista chefe de uma importante instituição bancária. No caso da Justiça, coube a sorte a Rita Júdice, filha de um dos mais reputados advogados e comentadores da nossa praça, “herdeira” digamos assim de uma sociedade de advogados que dá cartas na assessoria a empresas e instituições financeiras. Todos têm de fazer pela vida.

A Câmara de Cascais, onde o vice-presidente passou a Ministro das Infraestruturas, já está na mira da Judiciária, mas o seu presidente já esclareceu que só ele próprio trabalhava; os restantes, vice e vereadores estavam confinados em casa durante o Covid, e não trabalhavam, nem tinham meios de comunicação nem nada. Durante esse período, dei aulas sempre, on-line, mas pronto fui eu e mais uns quantos tansos pelo país, não o Miguel Pinto Luz. E agora o novo ministro tem adequadamente a colaborar com ele, diz-se por aí pelas........

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