2023 acabará brevemente. Um ano e dez meses após o início da invasão militar do território da Ucrânia, pela Federação Russa. Dois meses e meio após o ataque do Hamas a Israel e o consequente deflagrar da guerra no Médio Oriente. E, para compor o retrato de 2023, uma nova disputa bélica, numa diferente geografia, parece anunciar-se. Europa (a leste) e Médio Oriente já se dilaceram em guerras. Faltava, agora, Nicolás Maduro para importar, para a América do Sul, um outro possível conflito! Ainda se trata apenas de um potencial conflito; provavelmente – se eclodir mesmo – só ocorrerá já em 2024. No entanto, a semente foi lançada e, na verdade, ao contrário das expetativas de há um ano, 2023 não viu cessar o conflito na Ucrânia e termina, ao invés, literalmente em “estado de guerra”.

A disputa pela região do Essequibo, parte integrante do atual território da Guiana (ex-colónia inglesa), opõe este Estado à Venezuela, praticamente desde a independência da Guiana, em 1966. A região do Essequibo – que corresponde a 70% do território da Guiana que tem cerca de 800.000 habitantes – fazia parte das zonas de colonização espanhola e foi incorporado na Venezuela após a independência desta, em 1811. Porém, cerca de 3 anos mais tarde, os ingleses compraram aos holandeses a região que se tornaria a Guiana inglesa (atual Estado da Guiana), sem que tivessem, no entanto, definido claramente as respetivas fronteiras a oeste, desse então novel território britânico. E, a partir daí, desencadeou-se um novelo de reclamações e de disputas (diplomáticas e de narrativa) entre a Venezuela e, sucessivamente, a Inglaterra e depois a Guiana independente. A Venezuela sempre reclamou esse território que, de todo o modo, atualmente e à luz do Direito Internacional, é parte integrante do território da Guiana. Pacificamente. E mais: se esse território (com apenas cerca de 125.000 habitantes) já era atrativo, na medida em que é rico em ouro, tornou-se muito apetecível quando, em 2015, se descobriram mais de 40 poços de petróleo. A Guiana é o mais novo grande produtor de petróleo – o que a torna numa campeã de crescimento do PIB, à escala mundial. Poderá ser, a breve prazo, um país rico. Tudo dependerá da respetiva gestão e da própria vontade e lucidez que revele e que a impeça de cometer os erros em que incorreram os seus vizinhos. Começando, inevitavelmente, pela Venezuela de Maduro e pela situação deplorável em que este a colocou. Maduro proclamou a sua intenção de anexar o Essequibo. Promoveu, no último domingo, um referendo para saber se a população venezuelana estaria, ou não, de acordo com tal anexação. Como se a própria Guiana e os seus cidadãos fossem irrelevantes! De qualquer forma, tal como o Presidente Lula disse (de forma descontraidamente não diplomática), “já se sabe que o referendo dará o que ele (Maduro) quer”.

Entretanto, a Leste nada de muito novo. O impasse, no terreno das operações, continua, pese embora alguma vantagem, verificada nos últimos dias, para o lado russo. No entanto, a Oeste e no ocidente, ocorreram algumas novidades. Políticas, mas com repercussão no terreno da guerra a Leste: o Congresso norte-americano, de base conservadora, mas com o apoio de alguns democratas, não viabilizou o plano da administração de Biden, de apoio financeiro ao esfoço de guerra da Ucrânia. Ou seja, um sinal preocupante de que o início da erosão do apoio à Ucrânia nas opiniões públicas e políticas, poderá estar a ocorrer. Igualmente, no Médio Oriente, é tão preocupante a ação devastadora, em termos humanitários, de Israel sobre Gaza (continuo a entender que o princípio da proporcionalidade é, no mínimo, não considerado pelas forças armadas e respetivos comandos Israelitas), como uma certa pressão da opinião pública ocidental que, no afã de se indignar com a tragédia dos palestinianos, acaba por ser (indiretamente, nem que seja por omissão) tolerante com o Hamas! Enquanto existir Hamas, não haverá, agora ou a prazo, solução – como, de resto, a generalidade dos Estados árabes moderados, sabe. E tanto sabe que, apesar das narrativas de apoio aos palestinianos e de condenação (fraca) das ações militares de Israel, mantem-se olimpicamente distante e indiferente em relação à guerra. E, sobretudo, sintomaticamente, não mexe uma palha que seja ….nem sequer em termos de apoio humanitário aos palestinianos.

Mas que notas há a registar, mesmo numa primeira e superficial análise, relativamente a este “estado de guerra”? Em primeiro lugar, o exemplo de Putin, frutificou. Naturalmente, entre autocratas e ditadores, mais ou menos personalistas ou coletivistas. Há razões internas que motivam Maduro. Há, pelo que se sabe, uma perda de popularidade e de apoio a Maduro, à medida que a péssima situação de vida, na Venezuela, se agudiza. À medida que cada vez mais venezuelanos sentem a falta de liberdade e os traços de aparente loucura que, por vezes, sobressaem na liderança de Maduro. Há, também, eleições no horizonte próximo. No entanto, Maduro nem sequer ousaria pensar, agora e à força, numa anexação do Essequibo, se não tivesse o exemplo russo.
Por outro lado, teme-se que o ocidente, as respetivas opiniões públicas, deem mesmo razão a Putin. Este afirmou – recorde-se - que a Rússia iria ganhar a guerra (note-se: para Putin, é também pressuposto, tratar-se de uma guerra contra o dito ocidente). E, segundo Putin, a justificação dessa vitória seria a resiliência do povo russo que contrastaria com a tibieza e perda de valores (segundo ele) dos povos ocidentais. Será? Acho que este final de 2023 deixa-nos (também) esta questão…

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“ “Estado de guerra” (2023)”

6 0
09.12.2023

2023 acabará brevemente. Um ano e dez meses após o início da invasão militar do território da Ucrânia, pela Federação Russa. Dois meses e meio após o ataque do Hamas a Israel e o consequente deflagrar da guerra no Médio Oriente. E, para compor o retrato de 2023, uma nova disputa bélica, numa diferente geografia, parece anunciar-se. Europa (a leste) e Médio Oriente já se dilaceram em guerras. Faltava, agora, Nicolás Maduro para importar, para a América do Sul, um outro possível conflito! Ainda se trata apenas de um potencial conflito; provavelmente – se eclodir mesmo – só ocorrerá já em 2024. No entanto, a semente foi lançada e, na verdade, ao contrário das expetativas de há um ano, 2023 não viu cessar o conflito na Ucrânia e termina, ao invés, literalmente em “estado de guerra”.

A disputa pela região do Essequibo, parte integrante do atual território da Guiana (ex-colónia inglesa), opõe este Estado à Venezuela, praticamente desde a independência da Guiana, em 1966. A região do Essequibo – que corresponde a 70% do território da Guiana que tem cerca de 800.000 habitantes – fazia parte das zonas de colonização espanhola e foi incorporado na Venezuela após a independência desta, em 1811. Porém, cerca de 3 anos mais tarde, os ingleses compraram aos holandeses a região que se tornaria a Guiana inglesa (atual Estado da Guiana), sem que tivessem, no entanto, definido claramente as respetivas fronteiras a oeste, desse então novel território britânico.........

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