O Eurobarómetro é um instrumento (em rigor, um método de recolha de dados, tipo sondagem) utilizado pelas Instituições da União para conhecerem e avaliarem o estado da “opinião pública” europeia. Foca-se, naturalmente, nos assuntos e nos problemas que respeitam diretamente à União e à integração europeia, mas incide também em questões relevantes sob o prisma político e social. É uma espécie de “medição do pulso” da Europa e dos seus cidadãos. O rigor e a respetiva credibilidade tornam o Eurobarómetro especialmente indicativo das correntes de pensamento e de opinião com relevo e aproveitamento (tanto quanto possível, como referencial) de decisões e de ações políticas das Instituições.

Este tipo de instrumento – quando minimamente credível – pese embora a volatilidade das sensações, emoções e reações das populações, cada vez mais moldadas pela instantaneidade mediática, é também um fator de “boa governação”. Logo, ajuda a vivificar a democracia. Aproxima o “estado de espírito” dos cidadãos (e, por conseguinte, dos eleitores) dos decisores políticos. Note-se que, cada vez mais, evoluímos para uma democracia pós-moderna, no sentido de democracia pós-nacional, pós-Estado Moderno. Quero dizer, com toda a (relativa) imprecisão dos termos agora utilizados, que a democracia e a “vontade popular” já não se podem circunscrever, aprisionar, reduzir mesmo, a uma mera expressão eleitoral, a uma esporádica votação, precedida de um processo (campanha) eleitoral. Para além disso, a interação permanente entre eleitos e eleitores, a compreensão dos sinais e do modo de pensar das populações, são fator integrante de uma almejada democracia e atividade política saudáveis, transparentes e profícuas em termos de satisfação das necessidades e das pretensões de quem é governado. Conhecer a realidade é fundamental para se definirem “políticas públicas” e o modo de sentir e de pensar das populações é um elemento incontornável dessa realidade.

Os resultados do Eurobarómetro que agora refiro foram publicitados em dezembro, reportando-se ao último semestre de 2023 e antecedendo, também em seis meses, as eleições para o Parlamento Europeu (junho de 2024). À entrada de 2024, esse Eurobarómetro é especialmente relevante, na medida em que nos introduz, na ótica (ainda que por amostragem) dos cidadãos, o ano de todas (e mais algumas…!) eleições.
Em termos de integração europeia, poderíamos dizer que os resultados agora (há uns dias) conhecidos são animadores. De um modo geral, em toda a Europa, os cidadãos manifestam adesão à ideia de pertença à União, entendem maioritariamente que os seus países beneficiaram com a integração e expressam confiança quer nas Instituições, quer no futuro da União Europeia. Compreensivelmente, um dos fatores motivacionais destacados (e justificativos) para tal adesão à própria adesão dos respetivos Estados, na ótica dos cidadãos, tem a ver com a segurança. Em tempo de guerras, a pertença a um “bloco” como a União, reforça-nos a sensação de proteção e, instintiva e implicitamente, reconforta-nos com uma ideia (e com indícios de realidade) de solidariedade. Mesmo sem que exista, ainda, uma política de segurança e de defesa comum europeia. Perante a guerra e após a superação supranacional da crise das dívidas soberanas e, sobretudo, mais recentemente, da crise pandémica, esbatem-se as discussões entre os outrora denominados “soberanistas” e os que apoiam a integração europeia. Na verdade, num mundo em rede, global e globalizado, numa realidade de vida cada vez mais digitalizada, como é que eficazmente (ou, pelo menos, tão eficazmente) poder-se-iam ter arrostado e superado, com sucesso, aquelas crises disruptivas, cavalgando uma velha ideia difusa de “soberania isolacionista”?

O Brexit merece uma atenção particular: importará avaliar aquilo que os britânicos, agora, referem sobre os efeitos negativos da desintegração do Reino Unido. Na verdade, tentando ser o mais objetivo possível, o “mar de rosas” anunciado por alguns, com a retoma a dita soberania e independência que o Brexit resgataria (soberania e independência que, diga-se, nunca foi perdida pelos britânicos), parece estar a assemelhar-se mais a um mar frio, quase gelado e dificilmente transponível, como o próprio canal da Mancha!

Há, no entanto, uma nota a salientar, numa primeira análise aos resultados do Eurobarómetro, respeitante a Portugal e aos Portugueses. Ora, em linha com a generalidade dos demais europeus, os portugueses consideram que a ação das Instituições deve priorizar o combate à pobreza e à exclusão social, o apoio à economia, assim como o reforço/melhoria da “saúde pública”. No entanto, a indicação destas prioridades por parte dos portugueses é mais veemente do que a média europeia. 56% dos portugueses entende como primeira prioridade da ação das Instituições o combate à pobreza e 53% a melhoria da “saúde pública”. 55% entende fundamental o apoio à economia e à criação de empregos. Em contrapartida, é de um modo menos vigoroso (mais secundário) que os portugueses nomeiam outros objetivos: preocupam-se, por exemplo, menos do que a média europeia, com a proteção do ambiente e o combate às alterações climáticas e notoriamente menos do que os demais europeus com a democracia e o “Estado de Direito”.

Na realidade, estes sinais emitidos pelos portugueses (pelos eleitores portugueses) são também o reflexo de uma particular realidade nacional. Infelizmente, distintiva, para nós, no mau sentido e comparativamente com a média europeia. Os problemas da saúde, o crescente empobrecimento, a dificuldade em suportar os “preços europeus” praticados, de um modo geral, entre nós, com os salários bem portugueses, bem reduzidos (novamente, em termos de média europeia), justifica essa preocupação maioritária nacional, com a…sobrevivência! Em certo sentido, e repristinando os brocardos latinos, “primum vivere deinde philosophare”!
O problema é que sem democracia, (sobre)viver será também difícil.

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“Portugal: “Primum vivere deinde...”

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03.02.2024

O Eurobarómetro é um instrumento (em rigor, um método de recolha de dados, tipo sondagem) utilizado pelas Instituições da União para conhecerem e avaliarem o estado da “opinião pública” europeia. Foca-se, naturalmente, nos assuntos e nos problemas que respeitam diretamente à União e à integração europeia, mas incide também em questões relevantes sob o prisma político e social. É uma espécie de “medição do pulso” da Europa e dos seus cidadãos. O rigor e a respetiva credibilidade tornam o Eurobarómetro especialmente indicativo das correntes de pensamento e de opinião com relevo e aproveitamento (tanto quanto possível, como referencial) de decisões e de ações políticas das Instituições.

Este tipo de instrumento – quando minimamente credível – pese embora a volatilidade das sensações, emoções e reações das populações, cada vez mais moldadas pela instantaneidade mediática, é também um fator de “boa governação”. Logo, ajuda a vivificar a democracia. Aproxima o “estado de espírito” dos cidadãos (e, por conseguinte, dos eleitores) dos decisores políticos. Note-se que, cada vez mais, evoluímos para uma democracia pós-moderna, no sentido de democracia pós-nacional, pós-Estado Moderno. Quero dizer, com toda a (relativa) imprecisão dos termos agora utilizados, que a democracia e a “vontade popular” já não se podem circunscrever, aprisionar, reduzir mesmo, a uma mera expressão eleitoral, a uma esporádica votação, precedida de um processo (campanha) eleitoral. Para além disso, a interação permanente entre eleitos e eleitores, a compreensão........

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