A Europa (e, em grande medida, o mundo) confronta-se, atualmente, com “tempos interessantes”. “Tempos interessantes” no sentido da velha e conhecida maldição chinesa: “que vivas tempos interessantes”. “Interessante”, nesse contexto chinês, significa turbulência e, naturalmente, ansiedade. Desde logo, resultante (a ansiedade) da incerteza com que, durante a vivência desses “tempos interessantes”, encaramos o futuro.
Há poucos dias, soube-se que o norte da China está confrontado com surtos de doenças respiratórias. Uma notícia que, há 3 ou 4 anos, não suscitaria grande preocupação fora daquela zona geográfica. Porém, agora, aquelas notícias acenam-nos com reminiscências da pandemia, do Covid-19 - mal ou bem, associado igualmente a Wuhan e à China. Há uma certa sensação de “déjà vu” que – espera-se – não passe disso mesmo, uma incómoda sensação que desaparecerá.

Mais a Leste e não tanto a Oriente, a Ucrânia continua invadida, em guerra contra o agressor russo. Em paralelo, os esforços da União, no sentido de reforçar o ânimo da resistência ucraniana com a afirmação de uma vontade e de um estratégico processo de integração pós-guerra, continuam a manifestar-se. No entanto, aparentemente, um desenlace favorável ao quadro de valores e objetivos da União, ainda não se vislumbra. A guerra parece continuar, sem fim à vista (pelo menos, à vista desarmada), apesar de alguns sinais de uma certa abertura para negociações, de ambos os lados. O fim da agressão russa ao território da Ucrânia iniciará, inevitavelmente, uma reformulação da ordem europeia (da ordem internacional, mesmo). Um reequacionar da integração.
Na verdade, fevereiro de 2022 significou, abruptamente, no modo de vida europeu, o fim da “ilusão do fim da guerra”. O desfazer-se em estilhaços a crença de que guerras “de” e “entre” Estados, para a conquista de território, guerras “à moda antiga”, seriam já, no século XXI, uma impossibilidade histórica. Não são! Por conseguinte, avizinha-se uma nova fase da integração europeia (“pós-Maastricht” e pós “fim daquela ilusão”). Outras prioridades, até agora esquecidas, irão ressurgir na Europa: será imprescindível equacionar-se a construção de uma efetiva política de segurança e defesa comum, com ou sem exército europeu, com ou sem esquemas de coordenação dos exércitos e forças militares nacionais, já existentes. Sem isso, a Europa não tem força de persuasão eficaz para impor a sua influência diplomática e evitar potenciais riscos para o “modo de vida europeu” (no fundo, o nosso modo de vida).

Mas, tal incapacidade de afirmação geoestratégica ressalta também do sangrento e histórico conflito que se vive no Médio Oriente. É certo que ontem, de um modo relativamente conforme àquilo que foi acordado (através da intermediação do Catar), houve troca de reféns e de prisioneiros.
No entanto, sobretudo numa perspetiva de pós-guerra e, porventura, numa visão otimista de que o fim do Hamas ocorrerá, não se sabe como é que a situação de Gaza e do Estado de Israel se moldarão.
Entretanto, nos Países Baixos, nos liberais e progressistas (socialmente) Países Baixos, uma força política de direita radical, ganhou as eleições. As bandeiras são simples: as vagas de refugiados e de imigrantes em geral que, para muitos holandeses, desvirtuam a sua comunidade, o seu modo de vida. Itália sente o mesmo. O caso de Lampedusa é sintomático. Há mais refugiados do que a população nativa. E, tudo isso, sem condições, nem capacidade (por mínima que seja) de integração.

Creio que este – o problema dos refugidos e dos imigrantes - será muito brevemente sentido como o principal problema e desafio da Europa do pós-guerra(s). Há que encarar, de frente, a realidade: nem todos os migrantes e imigrantes (muitos fugindo literalmente dos seus países para salvar a própria vida) têm vontade de se integrar nas nossas comunidades e, por outro lado, os valores de abertura e do humanismo europeus poderão rapidamente desabar, se não soubermos dar a resposta adequada às vagas de migrações com destino à Europa.
Que resposta? Esperemos que seja outra diferente e mais criativa do que aquela que muitos dos cidadãos europeus dos Países Baixos, mesmo democraticamente, deram.

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“Tempos interessantes”

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25.11.2023

A Europa (e, em grande medida, o mundo) confronta-se, atualmente, com “tempos interessantes”. “Tempos interessantes” no sentido da velha e conhecida maldição chinesa: “que vivas tempos interessantes”. “Interessante”, nesse contexto chinês, significa turbulência e, naturalmente, ansiedade. Desde logo, resultante (a ansiedade) da incerteza com que, durante a vivência desses “tempos interessantes”, encaramos o futuro.
Há poucos dias, soube-se que o norte da China está confrontado com surtos de doenças respiratórias. Uma notícia que, há 3 ou 4 anos, não suscitaria grande preocupação fora daquela zona geográfica. Porém, agora, aquelas notícias acenam-nos com reminiscências da pandemia, do Covid-19 - mal ou bem, associado igualmente a Wuhan e à China. Há uma certa sensação de “déjà vu” que – espera-se – não passe disso mesmo, uma incómoda sensação que desaparecerá.

Mais a Leste e não tanto a Oriente, a Ucrânia continua invadida, em guerra contra o agressor russo. Em paralelo, os esforços da União, no sentido de reforçar o ânimo da resistência ucraniana com a afirmação de uma vontade e de um........

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