O Colapso atual da rede de serviços de urgência do Serviço Nacional de Saúde é uma realidade. Alguns hospitais encerram urgências completas, outros revelam falta de disponibilidade de serviços e falhas em determinadas especialidades, as maternidades redirecionam doentes para outras instituições, enfim a falência efetiva do sistema. O acordo ou a ausência dele, entre Sindicatos Médicos e o Ministro da Saúde apenas vai colocar a nu, mais tarde, ou mais cedo, a situação atual de Caos.
Porque recusam os médicos a realização de mais de 150 horas extras de serviço?
As horas extraordinárias devem ser isso mesmo: extraordinárias. A sua realização deve ser algo de excecional e não ter um caracter recorrente, como se tem verificado há já muitos anos. O permanente recurso a horas extraordinárias de profissionais de saúde para preencher o quadro de serviços de urgência, cuidados intensivos, ou outros serviços e departamentos não é aceitável e revela um número insuficiente de recursos humanos para fazer serviço de urgência e/ou uma desorganização do sistema de saúde.
Por outro lado, o número de profissionais de saúde no SNS disponíveis para fazer serviço de urgência, sobretudo nalgumas áreas de especialidade, nalgumas regiões e nalgumas unidades hospitalares diminuiu muito nos últimos anos fruto de vários fatores:
a) Existe atualmente uma diminuição dos quadros de efetivos dos diversos serviços. Na verdade, a aposentação de muitos profissionais por limite de idade sem a sua consequente substituição de forma proporcional, a saída de profissionais de saúde para o sistema de saúde privado em regime de exclusividade, e a migração de alguns profissionais para fora do país fez reduzir o número absoluto de elementos de muitos serviços.
b) Verifica-se uma diminuição da disponibilidade dos profissionais de saúde para realizar horas extraordinárias em serviço de urgência e são sobretudo três as causas que levam muitos profissionais a não quererem realizar horas extraordinárias para além das impostas por lei:
1.- No passado a remuneração das horas extraordinárias era, em termos relativos, muito mais bem paga, fazendo com que muitos profissionais de saúde vissem nessas horas um complemento importante para o seu salário base. Atualmente, esse complemento não tem significado pelo baixo valor/hora remunerado, não sendo por isso apelativo, e existe ainda um profundo desanimo e sentimento de injustiça quando médicos, prestadores de serviços externos ao hospital, obtém pelo desempenho do mesmo trabalho, um valor/hora três ou quatro vezes superior aos médicos do quadro daquele hospital.
2.- Os serviços de urgência, pelo elevadíssimo fluxo de doentes, pela desorganização estrutural em que se viram envolvidos, transformaram o trabalho que ali se executa em algo muito penoso, cansativo, desgastante e pouco motivador para os profissionais de saúde que ali trabalham. O encerramento de muitos serviços de urgência de unidades hospitalares de menores dimensões, e a ausência de capacidade de resposta dos cuidados de saúde primários, levaram a uma sobrelotação dos serviços de urgência sendo em muitos casos humanamente impossível oferecer uma assistência com condições mínimas exigidas.
3.- Independentemente da remuneração, a geração de médicos atuais, tal como os profissionais de outras áreas da mesma geração, olha para a sua forma vida de forma muito diferente das gerações anteriores. Não estão disponíveis para abdicar do seu tempo com a família ou com os amigos, não querem sacrificar as suas férias ou feriados em pró de um serviço, de um emprego ou de um hospital. A sua profissão já não é o centro gravitacional da sua vida, sendo hoje atribuído também importância aos momentos de lazer, de descanso e de convívio. A Medicina continua a ser para eles uma Missão, mas o médico atual já não se sente um missionário.
A reorganização dos serviços de urgência por isso é um imperativo sob risco de, muito em breve, assistirmos a episódios muito desagradáveis. Uma organização diferente da rede de urgências, a criação de equipas médicas especializadas e em exclusividade em serviços de urgência, a revisão dos estatutos remuneratórios da prática médica em serviço de urgência e a criação de condições estruturais e operacionais essenciais à boa prática médica de urgência são apenas alguns dos muitos aspetos que o Governo, a Ordem dos Médicos, os Sindicatos terão de avaliar de forma a inverter o rumo ao abismo da atual da assistência ao doente com caracter de urgência.

QOSHE - O porquê do caos nos serviços de urgência do país - Luis Teixeira
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O porquê do caos nos serviços de urgência do país

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08.11.2023

O Colapso atual da rede de serviços de urgência do Serviço Nacional de Saúde é uma realidade. Alguns hospitais encerram urgências completas, outros revelam falta de disponibilidade de serviços e falhas em determinadas especialidades, as maternidades redirecionam doentes para outras instituições, enfim a falência efetiva do sistema. O acordo ou a ausência dele, entre Sindicatos Médicos e o Ministro da Saúde apenas vai colocar a nu, mais tarde, ou mais cedo, a situação atual de Caos.
Porque recusam os médicos a realização de mais de 150 horas extras de serviço?
As horas extraordinárias devem ser isso mesmo: extraordinárias. A sua realização deve ser algo de excecional e não ter um caracter recorrente, como se tem verificado há já muitos anos. O permanente recurso a horas extraordinárias de profissionais de saúde para preencher o quadro de serviços de urgência, cuidados intensivos, ou outros serviços e departamentos não é aceitável e revela um número insuficiente de recursos humanos para fazer serviço de urgência e/ou uma desorganização do sistema de saúde.
Por outro lado, o número de........

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