Em véspera de eleições, que podem ditar um salto para a frente ou a continuação de uma estagnação que, no extremo, arrisca levar à destruição total do nosso Serviço Nacional de Saúde (SNS), é imperativo que todas as forças políticas concorrentes definam claramente os respetivos propósitos quanto à sustentabilidade e progresso do Serviço. Com medidas concretas, não com tiradas filosóficas! Já aqui discuti, em várias ocasiões, a minha opinião não só sobre as causas da degradação do SNS, mas também as medidas que considero necessárias para a sua “reinvenção”, às quais me tenho referido também frequentemente.
Numa entrevista recente, Constantino Sakellarides, ex-Professor Catedrático de Políticas e Administração de Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública e antigo Diretor Geral da Saúde, referindo-se ao estado atual do SNS, declarou que “o que afinal surpreende é a extraordinária impreparação para fazer face a tanta adversidade previsível. É como se não existisse um contexto real, complexo e volúvel onde as coisas vão acontecendo”. E afirmou também que “uma coisa é saber o que é preciso fazer e outra é saber como fazê-lo. Saber o que fazer manifesta-se pela habitual longa lista de medidas necessárias. É a parte mais fácil. Saber como fazer implica um modelo e instrumentos de governação capazes de influenciar a realidade”.
Claramente, estas declarações apontam para o que também tenho dito amiúde, que a principal causa da incapacidade do SNS em cumprir o preceito constitucional de prestar aos cidadãos os cuidados de saúde de que necessitam, com garantias sobre o acesso, a qualidade e a segurança dos cuidados e serviços disponíveis, está na inabilidade da sua gestão. E, contudo, o SNS tem sido gerido por muitos eminentes especialistas, aliás como o próprio Prof. Sakellarides.
Então porque estamos com estamos? Claramente, porque se tem ignorado que o Portugal de hoje não o mesmo de há 40 anos e, portanto, o SNS não pode ser gerido da mesma forma e segundo os mesmos princípios desenhados aquando da sua criação em 1979. E um aspeto que mudou muito no País desde então foi o enorme crescimento do setor privado. E também do social. Facto que faz com que a necessidade de abrangência do SNS não tenha hoje de ser, necessariamente, a mesma que era. Parece-me claro que o privado e o social são já setores com que há que contar em complementaridade com o SNS. Penso que já ninguém tem dúvida disso, estou certo que mesmo os mais extremistas da esquerda política, digam o que disserem!
É aqui que surge a questão da concorrência, que não é, obviamente, o mesmo que complementaridade. E é importante que esta última seja promovida porque, de outro modo, a primeira acabará inevitavelmente por ser mais favorável ao setor privado. Por isso, é absolutamente fundamental dotar o SNS como os recursos materiais e humanos que lhe permitam concorrer em condições de igualdade com os outros.
Portanto, e rejeitando o conceito de financiamento público do setor privado, sou defensor da complementaridade, que permita ao estado adquirir aos setores privado e social os serviços que estes possam prestar em melhores condições de proximidade, eficiência e qualidade, sem favorecimento nem promiscuidade. E esta complementaridade não tem que abranger todos os tipos de cuidados, especialmente os mais complexos e especializados, como, por exemplo a transplantação de órgãos. Mas ser aplicável a todos os cidadãos, não apenas a alguns. Sem descriminação. Do mesmo modo, é altura de se educar o cidadão a cuidar mais da sua própria saúde e, quanto possível, a prover os cuidados de que necessita, através de seguros de saúde, que deveriam ser encorajados por todos os meios, incluindo o apoio fiscal. A poupança que o estado assim teria poderia constituir um bom método de complementar o financiamento do SNS.
Como iniciei esta crónica, torna-se, pois, imperativo que cada força política a concorrer a estas eleições apresente as suas propostas de forma clara e entendível para todos, ditadas pela realidade atual da sociedade e da economia e não por preconceitos ideológicos desgarrados da realidade. Assim se ultrapassaria os receios de Constantino Sakellarides implícitos quando dizia que “não é concebível que o Estado ‘deixe perder’ o SNS no mercado da concorrência”. Não tenho a certeza de que ele o entendia do mesmo modo que eu, mas temo que a ‘profecia’ se poderá cumprir se não seguirmos o caminho certo. Não tenhamos dúvida, a concorrência estará sempre lá e o SNS tem de se adaptar a ela. Concorrendo, não para ser maior, mas para ser mais forte e eficiente do que é hoje.
Só não vê isto, quem não quer ver ou está cego. Caro leitor, quando chegar à mesa de voto, pense no nosso SNS. Vote na sua eficiência, mas, sobretudo, na sua sobrevivência!

QOSHE - O SNS em Tempo de Eleições - Manuel Antunes
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O SNS em Tempo de Eleições

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28.02.2024

Em véspera de eleições, que podem ditar um salto para a frente ou a continuação de uma estagnação que, no extremo, arrisca levar à destruição total do nosso Serviço Nacional de Saúde (SNS), é imperativo que todas as forças políticas concorrentes definam claramente os respetivos propósitos quanto à sustentabilidade e progresso do Serviço. Com medidas concretas, não com tiradas filosóficas! Já aqui discuti, em várias ocasiões, a minha opinião não só sobre as causas da degradação do SNS, mas também as medidas que considero necessárias para a sua “reinvenção”, às quais me tenho referido também frequentemente.
Numa entrevista recente, Constantino Sakellarides, ex-Professor Catedrático de Políticas e Administração de Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública e antigo Diretor Geral da Saúde, referindo-se ao estado atual do SNS, declarou que “o que afinal surpreende é a extraordinária impreparação para fazer face a tanta adversidade previsível. É como se não existisse um contexto real, complexo e volúvel onde as coisas vão acontecendo”. E afirmou também que “uma coisa é saber o que é preciso fazer e outra é saber como fazê-lo. Saber o que fazer........

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