Há cerca de um mês, numa conferência enquadrada na celebração do Dia da nossa Faculdade de Medicina (UC), dissertei sobre este tema perante uma audiência de estudantes e de médicos: Ser Médico. O que é que pensam, hoje, doentes, estudantes de medicina e médicos, do ser (bom) médico?
Num inquérito promovido entre os doentes por um grupo hospitalar privado português, competência ( 87%), empatia ( 49%), experiência ( 47%), disponibilidade ( 42%), clareza ( 38%), saber ouvir ( 35%) e pontualidade ( 14%) foram as características mais apontadas. Curiosamente, pela última, o doente parece não se importar de esperar pelo médico desde que venha um bom e competente!
Num outro inquérito, efetuado numa universidade americana entre estudantes de medicina, apontavam-se as seguintes razões para ser médico: ajudar os outros, o fascínio da Medicina, confiança e honra, influência e respeito, outras oportunidades, capacidade de construir relacionamentos significativos, estabilidade de emprego, remuneração elevada, ser um líder e encontrar novas oportunidades. Apenas a primeira tem uma relação direta com os doentes, as outras são essencialmente pessoais. Visto de outro modo, o bem do médico parece ser mais importante que o do doente!
Não me parece que as conclusões deste último estudo possam ser generalizadas, mas é por demais evidente que já lá vão os tempos do (Dr.) João Semana, bem descrito por Júlio Dinis no romance As Pupilas do Senhor Reitor ( 1867 ) e, mais recentemente, por Fernando Namora em Retalhos da Vida de um Médico ( 1949 ). Ser médico não tem de ser exatamente um sacerdócio, como sugerem alguns. Tão-pouco significa ser um super-herói. Ser médico é, apesar de tudo, algo simples, singelo. É um sentimento que acompanha o verdadeiro doutor desde a infância: é gostar de gente, das relações humanas, olhar o outro com respeito e tratá-lo com amor, com dignidade.
“Gostar de gente: isso é ser médico”, escreveu recentemente Antonio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica. “Para o médico, isto traz consigo uma necessidade de atualização contínua, de leituras científicas frequentes, de presença em congressos médicos e discussões sobre as melhores práticas clínicas com os colegas. A responsabilidade aumenta. A satisfação de fazermos o tratamento mais correto, através da ciência, também se eleva. Ser médico torna-se, então, em ser três pessoas numa: cientista, professor e amigo”.
Quem sou eu, médico? Eu vivo para você. Sou o seu médico, todos os dias da minha vida – e não apenas hoje. Quando se escolhe exercer a Medicina, esta escolha vem associada a um amor profundo pelo ser humano. Uma dedicação intensa à aprendizagem que visa salvar vidas. Uma opção por estudar e aprender todos os dias, pelo resto de nossas vidas, focando em como tornar melhor o atendimento ao doente que nos procura para a resolução dos seus problemas de saúde.
A Medicina é uma ciência em constante mudança, em atualização contínua. Os métodos de tratamento são permanentemente modificados e melhorados. Nos últimos 100 anos conseguimos, através das melhores evidências científicas disponíveis, modificar todo o espectro do cuidado à saúde, reduzindo a mortalidade, elevando a qualidade de vida das pessoas aumentando e a sua expectativa de vida. “Sendo a Medicina a última profissão romântica, ela será sempre de melhor qualidade quando praticada por homens e mulheres de cultura” disse João Cid dos Santos, um dos maiores vultos da Medicina portuguesa.
Mas como será a medicina do futuro? Os médicos estarão a receber a formação adequada para fazer face aos novos desafios sociais? Será possível preservar a relação íntima que se estabelece no ato médico, ou este irá ser cada vez mais impessoal? Como escreveu Bicha Castelo, um eminente professor e cirurgião de Lisboa “a inimaginável explosão que se antevê nos domínios dos saberes tem tal dimensão e a tecnologia irá oferecer meios tão sofisticados à ciência, que tenderão a conduzir o homem para domínios tão íntimos de conhecimento que poderão eventualmente levar à profanação da condição e dignidade humanas, que seria imprescindível evitar”.
Em conclusão, o amor ao próximo, é a essência do SER MÉDICO.
Ser médico: É dar de si eternamente / Partilhar a dor do doente / Torná-lo confiante e forte / É ser presente na vida e na morte (Luciano Spagnol – poeta brasileiro).

QOSHE - Ser médico - Manuel Antunes
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

Ser médico

10 6
03.01.2024

Há cerca de um mês, numa conferência enquadrada na celebração do Dia da nossa Faculdade de Medicina (UC), dissertei sobre este tema perante uma audiência de estudantes e de médicos: Ser Médico. O que é que pensam, hoje, doentes, estudantes de medicina e médicos, do ser (bom) médico?
Num inquérito promovido entre os doentes por um grupo hospitalar privado português, competência ( 87%), empatia ( 49%), experiência ( 47%), disponibilidade ( 42%), clareza ( 38%), saber ouvir ( 35%) e pontualidade ( 14%) foram as características mais apontadas. Curiosamente, pela última, o doente parece não se importar de esperar pelo médico desde que venha um bom e competente!
Num outro inquérito, efetuado numa universidade americana entre estudantes de medicina, apontavam-se as seguintes razões para ser médico: ajudar os outros, o fascínio da Medicina, confiança e honra, influência e respeito, outras oportunidades, capacidade de construir relacionamentos significativos, estabilidade de emprego, remuneração elevada, ser um líder e encontrar novas oportunidades. Apenas a primeira tem uma........

© Diário As Beiras


Get it on Google Play