Bolinhos saudosos, para quem não os sabe fazer, pois que exigem saber e muita perícia do princípio ao fim. Mas, comecemos pelo princípio. Serão apenas de Coimbra? Não. No Minho, são chamados de Bolinhos de Jerimu. Na Beira que se afirma pelo corredor do Águeda, são os Bilharacos. Na Beira que já caminha para o Planalto Beirão, são as Filhoses de Abóbora. Em Coimbra, serão sempre os Belhós ou Beilhós, muitas vezes ditos e escritos pelas comunidades rurais como Belhoses ou Velhoses. Pondo a questão linguística de parte, que a língua também evolui de acordo com o que as comunidades repetem, esta é uma daquelas receitas que é para mim um enigma. Sim. Afinal, a abóbora, outrora guardadora dos campos de milho, nunca foi muito apreciada pelos beirões ficando reservada para a alimentação do porco. Para além das Papas e uma parca e ocasional utilização na sopa, a produção era quase toda destinada à alimentação do animal que haveria de se multiplicar em bom fumeiro e saborosa salgadeira. Por isso, não deixa de ser admirável como se chegou a uma receita que, sendo tão simples, a todos encantou.
Pelo concelho de Coimbra, das casas mais abastadas às mais humildes, na noite da Consoada, para comer bem perto da meia-noite, momento de celebração do nascimento do Salvador, não faltariam os Belhós ou Belhoses. Se noutras receitas é possível perceber a replicação de uma matriz, nesta, ainda que o seja, não será assim tão óbvia. Atrevo-me a dizer que foi o “génio coletivo”, como escreveu Fialho de Almeida, que o trabalhou e na sua infinita paciência para chegar ao alimento saboroso foi, sucessivamente, apurando a receita. É que esta é uma daquelas receitas que não vale a pena ir para a cozinha a pensar que se vai utilizar alguma medida ou peso. É tudo a olho. A abóbora tem de ser cozida com um bocadinho de sal e, depois, bem escorrida. Há até quem a ponha dentro de um saco de pano a escorrer, outros, espremem-na até já não sair líquido algum. Depois, é juntar farinha de trigo, mas pouca. Deve ser na exata medida da humidade que a massa de abóbora tem. Muita farinha, irão ficar massudos e indesejados. E, depois? Um bocadinho de aguardente. Quanta? Depende do que cada família gosta como tempero da bagaceira. Uma pitada de canela também não fica mal. Mas, e o tamanho? Os pequeninhos são os melhores. Modelados em técnica de colher, a fritar também tem os seus truques, secos não têm piada nenhuma, têm que ter sumo, ainda que enxutos. No final, muita canela e muito açúcar a envolver.
Praticar, é a receita. E não deixar esquecer os nossos Belhós que, na minha casa, sempre foram Belhoses, na pronúncia rural do Baixo Mondego. Feliz Natal para todos!

QOSHE - À Mesa com Portugal – Belhós de Coimbra - Olga Cavaleiro
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

À Mesa com Portugal – Belhós de Coimbra

9 1
22.12.2023

Bolinhos saudosos, para quem não os sabe fazer, pois que exigem saber e muita perícia do princípio ao fim. Mas, comecemos pelo princípio. Serão apenas de Coimbra? Não. No Minho, são chamados de Bolinhos de Jerimu. Na Beira que se afirma pelo corredor do Águeda, são os Bilharacos. Na Beira que já caminha para o Planalto Beirão, são as Filhoses de Abóbora. Em Coimbra, serão sempre os Belhós ou Beilhós, muitas vezes ditos e escritos pelas comunidades rurais como Belhoses ou Velhoses. Pondo a questão linguística de parte, que a língua também evolui de acordo com o que as comunidades repetem, esta é uma daquelas receitas que é para mim um enigma.........

© Diário As Beiras


Get it on Google Play