Neste dia em que celebramos 50 anos do 25 de Abril, estou no Brasil, o que me permite um vislumbre do impacto que a data tem fora de Portugal. Por aqui, sucedem-se os documentários, as entrevistas, as evocações, os artigos (vale a pena ler Quando Portugal cantou, no número de abril da revista Piauí), em muitos casos evocando os 40 anos do fim da ditadura militar, mas destacando que, só em 1988, a Constituição estabeleceu a liberdade de expressão e as eleições diretas, conquistadas “na marra” pelos movimentos populares.

As vicissitudes que o Brasil viveu nos últimos anos podem servir de reflexão sobre a democracia, pelo contraste entre o extraordinário potencial e progresso do país e as enormes diferenças sociais. Neste ano, o Brasil preside ao G20 (antes havia sido a Índia, a seguir será a África do Sul), um grupo de países formado pelas maiores economias do mundo que procura articular políticas em áreas muito diversas que incluem a Educação e a Cultura, domínios considerados essenciais para um futuro de crescimento económico e coesão social.

Tem sido notícia, o Brasil ter uma das mais baixas taxas de conclusão do Ensino Médio (correspondente ao nosso Secundário) do G20. Aliás, o presidente Lula afirmou recentemente, no lançamento de um programa para apoiar esses estudantes, que o Brasil tem uma eterna dívida com a Educação. O debate levou-me até uma recente conferência do cientista Alexandre Quintanilha, com o sugestivo título Conhecimento: pilar da democracia, em que expõe o que designa por “conhecimento lúcido”: a imperativa necessidade de continuar a aprender e, ao mesmo tempo, a lucidez para interrogar a informação que nos invade.

Neste exercício de bola de cristal sobre o futuro da democracia em Portugal, embato na incerteza, desde logo porque somos parte de um todo, de outro todo e de outro todo, como as ondas concêntricas de uma pedrada no charco.

Uma recente sondagem promovida pelo ISCTE e pelo Instituto de Ciências Sociais, divulgada na semana passada, mostra que a maioria dos portugueses valoriza o 25 de Abril, em particular, face ao contexto internacional, mas 34% preferem ser governados por um líder forte, não-eleito, com um perfil de tecnocrata.

Que fez a minha geração e todos os eleitos para tanto se duvidar da democracia? Antes do mais, os cidadãos não se sentem no centro da democracia, porque os seus problemas continuam por resolver e, sobretudo, não se explica o que se faz e porque se faz. Os governantes continuam a ser vistos como privilegiados, distantes e pouco acessíveis.

Nunca será possível consensos (nem talvez sejam desejáveis, porque é importante que as sociedades disponham de várias soluções), mas continuaremos nesta incerta caminhada para modelos autoritários, caso não haja mais transparência e proximidade entre eleitos e eleitores.

Continuo a acreditar que a democracia é o melhor sistema apesar das suas imperfeições, mas tem de assentar na confiança e no compromisso, sobretudo a democracia tem de resolver as assimetrias, principal explicação para o crescimento dos populismos. A democracia está doente e precisa de reflexão. Não se trata de um fenómeno nacional, mas a sua extensão, em particular numa Europa dos direitos, liberdades e garantias, mostra a urgência de ouvir e envolver os mais jovens que enfrentam um planeta igualmente doente, uma revolução tecnológica imprevisível e guerras que ameaçam.

A única certeza é que o mundo será muito diferente em 50 anos e esse tempo correrá mais depressa, trazendo mudanças que levaram séculos a acontecer. Outra certeza: a importância de uma Educação transformada e um conhecimento lúcido que torne cada um e cada uma mais capaz de fazer as suas escolhas. A democracia tem de ser para as pessoas, como a revolução tecnológica, como o exercício dos poderes. O devir terá de ser um tempo que combine direitos e deveres. Boa sorte e muito caminho até 2074.

QOSHE - A bola de cristal - Ana Paula Laborinho
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A bola de cristal

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25.04.2024

Neste dia em que celebramos 50 anos do 25 de Abril, estou no Brasil, o que me permite um vislumbre do impacto que a data tem fora de Portugal. Por aqui, sucedem-se os documentários, as entrevistas, as evocações, os artigos (vale a pena ler Quando Portugal cantou, no número de abril da revista Piauí), em muitos casos evocando os 40 anos do fim da ditadura militar, mas destacando que, só em 1988, a Constituição estabeleceu a liberdade de expressão e as eleições diretas, conquistadas “na marra” pelos movimentos populares.

As vicissitudes que o Brasil viveu nos últimos anos podem servir de reflexão sobre a democracia, pelo contraste entre o extraordinário potencial e progresso do país e as enormes diferenças sociais. Neste ano, o Brasil preside ao G20 (antes havia sido a Índia, a seguir será a África do Sul), um grupo de países formado pelas maiores economias do mundo que procura articular políticas em áreas muito diversas que incluem a Educação e a........

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