Uma crise de reputação está a abalar a Boeing, deixando uma oportunidade para a Airbus, uma espécie de joia da coroa da aviação europeia, que grão a grão foi conquistando o seu lugar. A queda do gigante norte americano num poço de ar que parece não ter fundo, está a alterar o puzzle da aviação mundial dada a turbulência que se tem sentido, fruto dos consecutivos escândalos ao nível de acidentes e falhas técnicas.

Em 2019, todas as aeronaves Boeing 737 Max ficaram paradas durante um ano e meio, após dois acidentes que ocorreram com intervalo de 6 meses, um voo da Lion Air na Indonésia e outro da Ethiopian Airlines, de Adis Abeba para Nairóbi, dois acidentes fatais que envolveram 346 passageiros. As investigações revelaram que ambos foram causados por aviões com defeitos, o que deu vantagem à Airbus, possibilitando que esta fornecesse três vezes mais aviões durante a pandemia do que a Boeing.

Recentemente, vários escândalos sobre falhas técnicas vieram assombrar ainda mais o enredo em que a Boeing se tem vindo a envolver, ocorrências a que não assistimos nem nos melhores filmes sobre desastres aéreos. Recordemos então os mais recentes acontecimentos:

Em janeiro, uma porta de saída de emergência de um Boeing 737 Max 9 explodiu logo na primeira descolagem, durante um voo da Alaska Airlines.

De acordo com a perícia do Conselho Nacional de Segurança dos Transportes dos EUA, a FAA, quatro parafusos não estariam colocados, concluindo que existiram “múltiplos casos em que a empresa não cumpriu os requisitos de controlo de qualidade de fabrico”.

A 4 de Março, o motor de um 737 que se dirigia para a Flórida, incendiou-se poucos minutos após a descolagem, tendo de aterrar de emergência.

Mas não ficamos por aqui, a roda dianteira de um 757 simplesmente caiu durante o voo 982 da Delta Airlines na pista de Atlanta, no momento em que o avião estava prestes a descolar com 200 passageiros a bordo. Mas há mais, outro Boeing 777-200, de um voo da United Airlines, que descolava de São Francisco, deixou também cair uma roda enquanto voava, danificando vários automóveis. Ainda num outro voo, uma das turbinas ardeu, “incendiando”, em conjunto com os restantes acontecimentos, o panorama mediático, e fazendo a Boeing ficar definitivamente no centro da polémica.

Tudo isto culminou com o bizarro falecimento de John Barnett, ex-funcionário da Boeing, que lá trabalhou 32 anos.
A sua morte, exatamente no mesmo dia do seu novo depoimento ao abrigo do programa de proteção de testemunhas, está sob investigação.

Um dos processos que Barnett moveu contra a Boeing, remonta a 2019, quando era gestor de qualidade dedicado ao modelo 787 Dreamliner, no qual começou a notar graves problemas, um deles presente no sistema de oxigénio dos aviões, revelando que em caso de emergência, uma em cada quatro máscaras de oxigénio, não funcionaria.

A Boeing negou sempre as acusações.

Devido a este dantesco panorama, o CEO Dave Calhoun, anunciou recentemente que vai deixar a empresa até ao fim do ano. O presidente da empresa e o diretor da unidade de aviões comerciais também estão de saída.

Tendo em conta os incontáveis escândalos, a Airbus, “a joia da coroa da aviação europeia”, permanece em silêncio, enquanto vai ganhando prestígio e notoriedade face à sua concorrência direta, à qual semanalmente se vão somando problemas de controlo de qualidade, principalmente no que toca à linha de produção do 737, mas também em outros modelos.

Assim, as ações da Boeing foram caindo a pique e fazendo com que o seu principal concorrente europeu, atingisse níveis recordes.

De sublinhar também algumas iniciativas passadas da Airbus, que entre 1974 e 2018, ganhou um por cento do mercado a cada ano, e se um por cento pode aparentemente não parecer muito, num mercado avaliado em centenas de milhares de milhões de dólares, a história é diferente. Segundo dados publicados pela Forbes, graças a esta estratégia do grão a grão, a fatia de mercado da Airbus, subiu de 0% em 1974 para 45,3% em 2018.

Por outro lado, os valores das ações da Boeing permanecem cerca de 50% inferiores aos de 2019, enquanto as ações da Airbus continuam a subir.

Estes resultados foram revelados no fim de 2023, demonstrando também que, embora a Boeing tenha registado uma receita superior à da Airbus, 72,2 mil milhões de euros, contra 65,4 mil milhões de euros da concorrência, a Boeing terminou o ano com um prejuízo líquido de 2 mil milhões de euros, enquanto a sua concorrente Airbus garantiu um lucro líquido de 3,8 mil milhões de euros.

A diminuição da confiança nos aviões da Boeing, devido à insegurança e a grandes atrasos nas entregas, também se revela no número de pedidos de aviões. Assim, no fim de 2023, a Boeing tinha uma carteira de aviões encomendados de 5600, enquanto a carteira da Airbus contava já com 8598 pedidos.

Apesar de todos os acontecimentos e polémicas, a Boeing ainda lidera o mercado da aviação mundial. No entanto, terá de cuidar cada vez melhor da sua imagem, se não quiser perder definitivamente a reputação de que foi detentora.

O C919 da Comac apresenta-se ao mundo, procurando fazer concorrência aos dois gigantes da aviação.

Mas, será que tem qualidade? Será que podemos confiar neste avião chinês que a 28 de maio de 2023 surge procurando fazer concorrência ao Boeing 737MAX e ao Airbus A320NEO. Este é o segundo avião de passageiros bimotor, completamente desenvolvido na China, mas a pergunta que se impõe é: estará ele à altura do desafio?

Para já, o que o avião chinês pretende é apresentar melhores preços que a concorrência, bem como, melhores prazos de entrega.

Embora aparentemente possa ver-se algo de promissor, o C919 ainda tem um longo caminho a percorrer antes de ser considerado internacionalmente uma alternativa credível.

Há fatores a melhorar, entre os quais o seu alcance de voo e os obstáculos regulamentares. O alcance é importante, pois proporciona maior flexibilidade de rotas, e a produção também precisará de ser aumentada. Tanto a Boeing e como a Airbus devem estar atentas aos ventos vindos de Pequim.

Neste novo paradigma, o futuro da aviação vai também passar por competir, literalmente, por um lugar no céu.

QOSHE - Turbulência e ventos de mudança na aviação mundial - António Buscardini
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Turbulência e ventos de mudança na aviação mundial

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07.04.2024

Uma crise de reputação está a abalar a Boeing, deixando uma oportunidade para a Airbus, uma espécie de joia da coroa da aviação europeia, que grão a grão foi conquistando o seu lugar. A queda do gigante norte americano num poço de ar que parece não ter fundo, está a alterar o puzzle da aviação mundial dada a turbulência que se tem sentido, fruto dos consecutivos escândalos ao nível de acidentes e falhas técnicas.

Em 2019, todas as aeronaves Boeing 737 Max ficaram paradas durante um ano e meio, após dois acidentes que ocorreram com intervalo de 6 meses, um voo da Lion Air na Indonésia e outro da Ethiopian Airlines, de Adis Abeba para Nairóbi, dois acidentes fatais que envolveram 346 passageiros. As investigações revelaram que ambos foram causados por aviões com defeitos, o que deu vantagem à Airbus, possibilitando que esta fornecesse três vezes mais aviões durante a pandemia do que a Boeing.

Recentemente, vários escândalos sobre falhas técnicas vieram assombrar ainda mais o enredo em que a Boeing se tem vindo a envolver, ocorrências a que não assistimos nem nos melhores filmes sobre desastres aéreos. Recordemos então os mais recentes acontecimentos:

Em janeiro, uma porta de saída de emergência de um Boeing 737 Max 9 explodiu logo na primeira descolagem, durante um voo da Alaska Airlines.

De acordo com a perícia do Conselho Nacional de Segurança dos Transportes dos EUA, a FAA, quatro parafusos não estariam colocados, concluindo que existiram “múltiplos casos em que a empresa não cumpriu os requisitos de controlo de........

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