A recente apresentação por Passo Coelho do livro Identidade e Família deu origem a um enorme alarido comunicacional, seja no comentário político, nas redes sociais ou nas forças partidárias.

As posições conservadoras expressas na apresentação do referido livro suscitaram justificadas reacções de sectores de esquerda contestando as palavras do ex-primeiro-ministro e as posições sobre o aborto, a eutanásia e o conceito de família.

Existem, actualmente, divisões na sociedade portuguesa e nos partidos políticos que mais não são do que um reflexo de um sistema democrático que está pujante e dá mostras de uma grande vitalidade na sociedade portuguesa.

No PS e no PSD assistimos a fracturas que são a concretização de diferentes visões do momento político que atravessamos. No PS existe uma linha política, mais moderada, que defende entendimentos pontuais com o governo de Luís Montenegro. Há, no PS, sensibilidades políticas que têm origem nas duas candidaturas que disputaram a liderança socialista, expressas nas figuras de José Luís Carneiro e Pedro Nuno Santos. A primeira de tendência social- democrata, herdeira do legado de Mário Soares, mais moderada do que a do círculo socialista de Pedro Nuno Santos. Esta última é representativa de uma esquerda com uma proximidade a sectores do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda, uma certa continuidade do projecto da geringonça.

No PSD há, igualmente, uma linha fracturante que tem uma origem nas diferentes visões do partido sobre política de alianças. Uma parte do PSD, capitaneada por Passos Coelho, defende uma aliança com o Chega, como solução de estabilidade governamental para o país. Uma segunda, expressa no “não é não” de Luís Montenegro é apologista de um percurso político mais moderado, defendendo entendimentos pontuais com o Partido Socialista na procura de soluções que apontam para um projecto de bloco central. E, estendendo a sua ambição de diálogo a todos os partidos.

A par destas divisões partidárias a sociedade portuguesa, igualmente dividida, vai conhecendo as influências de novas realidades políticas, culturais e sociológicas nascidas na Europa democrática e expressas no crescimento de movimentos populistas e de extrema- direita que, paulatinamente, vamos importando. De certa maneira explicam-se, assim, as posições de Pedro Passo Coelho, de um retorno ao conceito da família tradicional, da negação do direito das mulheres ao aborto, e da eutanásia. Seja como for, nestes casos, um recuo em avanços civilizacionais cimentados há décadas na sociedade portuguesa, mas que, dentro de uma lógica democrática é sempre possível analisar e discutir.

São, portanto, a nível partidário e sociológico, “marcas de água” de uma sociedade democrática, que temos de aceitar com tranquilidade e sem excessos. Essa é a riqueza de um sistema pluripartidário, que nas suas qualificações tem toda a capacidade de aceitar diferentes visões de diversas realidades sociológicas que vão atravessando a sociedade, os partidos políticos e as instituições.

Desde que exista o espaço político, a inteligência e a distanciação suficientes para se ir discutindo e analisando os vários ângulos que se vão colocando aos problemas, isso só pode ser benéfico e útil ao todo social português.
È importante, pois, que não se evolua para atitudes de cegueira ideológica, de censura, de edificação de muros culturais intransponíveis ou que se levantem trincheiras onde cada grupo ideológico, tendência, linha de pensamento ou opção política se entrincheirem em posições dogmáticas e terminais.

Não vivemos em regimes de partido único, não estamos sujeitos a um qualquer caudilho de cartilha direitista ou esquerdista. Somos, e queremos continuar a ser, um país democrático com pensamento livre e capacidade de análise de discussão dos diferentes movimentos sociais e culturais que, no nosso ego, podemos ajuizar serem bons ou maus, mas existem. É saudável pensar que esses movimentos não são um problema, mas sim uma oportunidade para nos informarmos e os discutirmos abertamente.

E as oportunidades devem ser agarradas com as duas mãos, sem temores nem reservas mentais.

Jornalista

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Há divisões na sociedade e nos partidos portugueses! E qual é o problema?

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12.04.2024

A recente apresentação por Passo Coelho do livro Identidade e Família deu origem a um enorme alarido comunicacional, seja no comentário político, nas redes sociais ou nas forças partidárias.

As posições conservadoras expressas na apresentação do referido livro suscitaram justificadas reacções de sectores de esquerda contestando as palavras do ex-primeiro-ministro e as posições sobre o aborto, a eutanásia e o conceito de família.

Existem, actualmente, divisões na sociedade portuguesa e nos partidos políticos que mais não são do que um reflexo de um sistema democrático que está pujante e dá mostras de uma grande vitalidade na sociedade portuguesa.

No PS e no PSD assistimos a fracturas que são a concretização de diferentes visões do momento político que atravessamos. No PS existe uma linha política, mais moderada, que defende entendimentos pontuais com o governo de Luís Montenegro. Há, no PS, sensibilidades políticas que têm origem nas duas candidaturas que disputaram a liderança socialista, expressas nas figuras........

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