Confesso-vos caros leitores que estou cansado deste Presidente da República. Cansado é mesmo o termo. Aquele cansaço que nos bate quando ganhamos algum incómodo, quando chega um traço de aversão, quando queremos mudar de canal de televisão porque achamos que aquilo que está a acontecer é estranho, fora de tempo ou simplesmente não faz sentido.

Sabem, eu comecei por fartar-me das selfies. Houve um tempo em que pensei: ora aqui está um Presidente popular que interage com a população, seja lá quem for da populaça, que beija cidadãos negros ou mulheres brancas, que se baixa até para beijar o ventre de uma grávida. Grande Presidente, pensava eu! Mas, depois, a coisa foi-se tornando repetitiva. E eu ia percebendo que o que tinha começado por ser um gesto de intrínseca e verdadeira relação com os portugueses, tinha-se transformado num exercício repetitivo, maquinal, automático, onde já não existia qualquer sinal de proximidade, mas apenas a procura do melhor ângulo televisivo, na tentativa da imagem que fugisse à banalidade e à repetição.

Depois, o Presidente em quem eu tinha votado falava, falava, falava. E eu, de início, até ouvia. Havia uns temas mais interessantes, depois ao longo dos tempos e da irritante repetição os assuntos deixavam de ter interesse. E, claro, eu deixava de ouvir.

Bom, mas eu tinha votado no Marcelo, caramba. Havia que dar-lhe o benefício da dúvida! Porque falava tanto o homem? Aquilo, espremido não dava quase nada! Então para quê tanto palavreado, pensava eu?

E, sabem, porque tinha eu votado no Marcelo? Seguia com atenção os seus comentários antes de Presidente. Admirava a sua qualidade de constitucionalista. Era para mim um farol de rigor e compreensão que me ajudava na minha profissão de jornalista. Pensava, então, mas que bom Presidente da República dará Marcelo Rebelo de Sousa se se candidatar. Os seus conhecimentos de Direito Constitucional davam-me confiança e eu dizia para os meus botões: olha se for a Presidente há a garantia de que todas as leis vão ser bem escrutinadas, bem construídas e, seguramente, pelo crivo de Belém não passará lixo legislativo. Por isto, e muito em especial por esta razão, votei em Marcelo.

Depois, os anos foram passando e comecei a notar algum exagero gestual. Caramba, mas que efusivo é o meu Presidente! Ficou-me na cabeça aquele aperto de mão ao Papa Francisco! Pobre homem, ia ficando sem braço. E eu interrogava-me? Mas há necessidade disto? Para quê tanto exagero e tanta desmesurada gestualidade.

Bom, caros leitores e eu começava a achar que faltava ao meu Presidente da República alguma discrição comportamental. É pá, um pouco mais de calma e postura institucional! Mas para quê tanta violência postural? Porque não uma presença mais institucional, mais pose tipo Presidencial?

E então, já com um desespero na alma e com uma vontade enorme de que as próximas eleições presidenciais cheguem depressa, não é que acabo por saber que o meu Presidente tinha estado quatro horas a falar com a imprensa estrangeira em Portugal e tinha dito umas coisas estranhas sobre as antigas colónias e as figuras do antigo e do actual primeiro-ministro. Qualquer coisa como: um é lento e oriental e outro vem lá das “berças”! Puxa vida, mas que coisa mais esquisita, pensei eu.

Caros leitores e prezados amigos. Eu tinha pensado num outro tipo de Presidente quando votei. Sempre é o primeiro magistrado da Nação. Tem um enorme poder de influenciar o Governo! Se falar pouco, quando falar, todos vão ouvir com cuidado! Se se mantiver quieto e atento, todos vão notar quando mexer um dedo. Quer dizer, eu tenho visto alguns Presidentes de outros países fazerem isto e parece resultar. Mas pronto, o meu Presidente é diferente! Agora já não vou incomodar-me mais com isso! Quando chegarem as próximas eleições presidenciais logo vejo como são os candidatos.

Vocês sabem. É como as melancias. E eu nunca tive grande jeito para as escolher!


QOSHE - O meu Presidente é levado da breca - António Capinha
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O meu Presidente é levado da breca

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03.05.2024

Confesso-vos caros leitores que estou cansado deste Presidente da República. Cansado é mesmo o termo. Aquele cansaço que nos bate quando ganhamos algum incómodo, quando chega um traço de aversão, quando queremos mudar de canal de televisão porque achamos que aquilo que está a acontecer é estranho, fora de tempo ou simplesmente não faz sentido.

Sabem, eu comecei por fartar-me das selfies. Houve um tempo em que pensei: ora aqui está um Presidente popular que interage com a população, seja lá quem for da populaça, que beija cidadãos negros ou mulheres brancas, que se baixa até para beijar o ventre de uma grávida. Grande Presidente, pensava eu! Mas, depois, a coisa foi-se tornando repetitiva. E eu ia percebendo que o que tinha começado por ser um gesto de intrínseca e verdadeira relação com os portugueses, tinha-se transformado num exercício repetitivo, maquinal, automático, onde já não existia qualquer sinal de proximidade, mas apenas a procura do melhor ângulo televisivo, na........

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