Depois de termos fechado o ano de 2023 com novos recordes históricos no Turismo, têm-me perguntado se ainda podemos e devemos crescer mais. Já escrevi várias vezes sobre o tema, e partilhei a minha opinião.

A pergunta faz também sentido se analisarmos o crescimento na perspectiva dos indicadores, sobretudo receitas e volumes de turistas. Em 2023 as receitas turísticas alcançaram 25,1 mil milhões de euros (crescimento homólogo de 18,9%); registaram-se 30,042 milhões de hóspedes (+ 13,3% face a 2022; +10,7% face a 2019) e superámos os 77 milhões de dormidas (+10,7% sobre 2022; +10% sobre 2019). Note-se que o crescimento tanto ocorreu nos hóspedes e dormidas do mercado internacional, como dos residentes (isto é, mercado interno).

Já em termos de receitas, 60% delas foram provenientes, fundamentalmente, de cinco mercados: Reino Unido; França; Alemanha; Espanha e EUA. E mais: o turismo representou 19,9% das exportações totais de bens e serviços e, considerando apenas este capítulo, pesou 48,6% do total das exportações de serviços (fonte, Travel BI/ TP e BdP).

Já em termos de principais destinos de cidades ao nível mundial, Lisboa aparece orgulhosamente no 20.º lugar das 100 cidades mais atractivas no Mundo e é a 12.ª no ranking, se contarmos apenas as da Europa (fonte, Euromonitor International 2023).

Ora em 2017 foi aprovada a Estratégia 2027 que traçava prioridades, metas, métricas e desenhava uma visão: afirmar o turismo como hub para o desenvolvimento económico, social e ambiental em todo o território, posicionando Portugal como um dos destinos turísticos mais competitivos e sustentáveis do mundo. Excelente visão! Que contou com os contributos de muitos e muitos operadores de turismo, mas também de cidadãos, empresas, instituições de ensino, de fora e dentro do turismo.

Acontece que, apesar do lockdown mundial forçado pela pandemia - ou quiçá por causa dele -, as metas de crescimento previstas para 2027 foram ou ultrapassadas (no cenário mais conservador), ou estiveram já em 2023 muitíssimo perto de ser alcançadas: 80 milhões de dormidas, 26 mil milhões de euros em receitas.

Portanto…

O que é crescer? Passa por rever em alta estas metas? Será o céu o limite? Fará sentido continuar a fixar metas deste tipo e natureza como indicadores de crescimento? Sem medir assim, como se avalia o sucesso?

É certo que a Estratégia 2027 refere metas de sustentabilidade social e ambiental. É também certo que cidades e destinos que vivem e precisam do Turismo estão em profunda reflexão sobre a capacidade de carga dos mesmos e sobre a relação entre a população residente e a visitante, estando algumas a tomar medidas para monitorização e controlo, e outros refreando ou desencorajando mais turistas. Maioritariamente através da fixação de taxas turísticas, menos através de controlo de fluxos e marcações prévias, até por falta de dados e de estudo sobre o limite da carga.

Tenho para mim que este delicado equilíbrio entre as muito necessárias e apetecidas receitas trazidas pelo Turismo, o emprego e actividades económicas que este gera, por um lado, e a qualidade de vida dos habitantes, por outro, passa mais por gerir fluxos turísticos do que por desencorajar a visita, especialmente através de restrições de carácter económico. E para a gestão de fluxos, recorrer a instrumentos de IA, lato sensu.

Isto porque, volto a repetir, para lá de todos os benefícios economicamente mensuráveis, o Turismo é essencial como promotor da paz. E de resto, seria bastante iníquo que, por exemplo, a experiência de uma visita à casa onde viveu Anne Frank em Amesterdão ficasse apenas reservada a quem tem possibilidades económicas bastante incomuns (neste momento Amesterdão, que em 2023 atingiu 9 milhões de visitantes, mais 21% do que em 2022, tem a taxa turística mais exorbitante da Europa).

Creio que só haverá crescimento sustentável do Turismo se se garantir que a comunidade onde ele ocorre considerar que o mesmo é inequivocamente positivo. E por “inequivocamente” quero dizer sem “mas”: não é um preço a pagar para se ter a balança de pagamentos equilibrada, mais empregos ou melhor posicionamento em rankings! Antes é estar envolvida na geração e distribuição da riqueza, é “apropriar-se” do Turismo como coisa sua. A riqueza que o Turismo gera não ser a de remuneração do capital aos accionistas, mas a da distribuição por todos os stakeholders. Esta “apropriação colectiva do turismo” será também determinante na experiência do visitante. Só este sentido de comunidade que serve e é beneficiada pelo Turismo garante a autenticidade e diferenciação que o visitante procura e deseja. E o sucesso do Turismo.



PS: Desde Janeiro de 2021 que com orgulho e prazer escrevo no DN, o que me faz ainda mais acreditar profundamente que jornalismo livre é condição absoluta para o exercício da liberdade de todos os cidadãos. Estou por isso não só solidária com a luta de todos os jornalistas, como com as dificuldades e aflições que aqueles que trabalham no DN sentem, seja no presente, seja pela incógnita e sombras que se projectam no futuro.


Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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Até onde e como cresceremos?

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20.03.2024

Depois de termos fechado o ano de 2023 com novos recordes históricos no Turismo, têm-me perguntado se ainda podemos e devemos crescer mais. Já escrevi várias vezes sobre o tema, e partilhei a minha opinião.

A pergunta faz também sentido se analisarmos o crescimento na perspectiva dos indicadores, sobretudo receitas e volumes de turistas. Em 2023 as receitas turísticas alcançaram 25,1 mil milhões de euros (crescimento homólogo de 18,9%); registaram-se 30,042 milhões de hóspedes ( 13,3% face a 2022; 10,7% face a 2019) e superámos os 77 milhões de dormidas ( 10,7% sobre 2022; 10% sobre 2019). Note-se que o crescimento tanto ocorreu nos hóspedes e dormidas do mercado internacional, como dos residentes (isto é, mercado interno).

Já em termos de receitas, 60% delas foram provenientes, fundamentalmente, de cinco mercados: Reino Unido; França; Alemanha; Espanha e EUA. E mais: o turismo representou 19,9% das exportações totais de bens e serviços e, considerando apenas este capítulo, pesou 48,6% do total das exportações de serviços (fonte, Travel BI/ TP e BdP).

Já em termos de principais destinos de cidades ao nível mundial, Lisboa aparece orgulhosamente no 20.º lugar das 100 cidades mais atractivas no Mundo e é a 12.ª no ranking, se contarmos apenas as da Europa (fonte, Euromonitor........

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