Este atraso não é de agora. Em 1992, Espanha inaugurou o seu comboio de alta velocidade, Madrid-Sevilha. Era o tempo da Expo92, de Felipe González, e de uma aproximação vertiginosa de Espanha ao desenvolvimento europeu - eles também entraram na CEE em 1986 e seis anos depois já tinham um comboio de alta velocidade...

Portugal ficou a ver passar comboios. O cavaquismo apostou nas autoestradas, o que à época se percebia dado o nosso atraso em tudo - ainda andávamos a tentar acabar a A1, entre Porto e Lisboa. Só que não houve meio termo. E assim chegamos a 2024 sem um quilómetro de ferrovia novo em funcionamento, 50 anos depois do 25 de Abril e quase 40 após os fundos comunitários. A ligação entre Sines e Elvas está quase operacional, mas ainda por acabar - limitada a via única e só para mercadorias. Foi tudo o que sobrou do socratismo, onde se pretendeu acelerar a ferrovia, no exato momento em que o colapso de 2008 arrasou as economias mundiais e gerou o abscesso de dívidas que 2010 e 2011 trouxeram à superfície - os PIIGS: Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha. Assim morreu de novo o comboio rápido.

A principal linha do país, a Lisboa-Porto, foi finalizada em 1877, sujeita a sucessivas modernizações ao longo das décadas, mas há mais de meio século que bloqueia o Lisboa-Porto a três horas - quando as duas principais cidades do país estão a 1h15 de distância como foi sucessivamente prometido ao longo dos anos. Portugal não seria o mesmo país se Faro e Braga distassem pouco mais de três horas entre si. E o mesmo princípio valeria para Coimbra, Leiria, Aveiro, Évora (e Bragança). Este "metro de superfície" teria cosido o território e tornado o país mais rico, descentralizado e com melhor qualidade de vida - em vez deste afunilamento imobiliário nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.

Já alguém ouviu nas notícias o cliché do atraso de 50 anos na criação de novas linhas de comboio? Ao contrário do aeroporto de Lisboa que, apesar de não suficientemente modernizado, está lá a cumprir a sua função, os novos comboios não existem. Mas parece não haver problema com isso.

O PSD tem de definir que país quer. Foi Cavaco quem removeu com polícia de choque o comboio de Trás-os-Montes e deu o mote para os bloqueios seguintes contra a ferrovia. Lembram-se da campanha de 2009 em que Manuela Ferreira Leite e Paulo Portas massacraram o "TGV"? Na altura as contas não eram boas, e também por isso se adiou o aeroporto. Mas, hoje, que sentido faz Luís Montenegro estar taticamente a pensar se valida os compromissos portugueses de investimento na ferrovia por mera tática política? Que sentido faz adiarmos os 750 milhões de Bruxelas disponíveis até janeiro se, supostamente, estamos de acordo sobre a necessidade de uma nova ferrovia? Ou o PSD é contra a criação de uma alternativa à centenária Linha do Norte?

Não podemos estranhar depois que as sondagens não só indiquem que os portugueses perceberam os oito anos de governação de António Costa, como considerem Pedro Nuno Santos mais líder do que Luís Montenegro. E se há assunto em que o novo líder do PS vai arrasar o seu concorrente é este. Esta hesitação cheira a negação, uma vez mais, de um investimento estratégico para o resto do país. Tem menos adeptos do que o aeroporto, é verdade, mas nem por isso é menos essencial: basta olhar para a gigantesca rede espanhola construída e ver o tamanho do nosso atraso.

Luís Montenegro é de Espinho, uma terra que cresceu a partir do comboio. Passou a vida a vê-los passar. Não seria hora de entrar nalgum?

Jornalista

QOSHE - PSD a ver passar todos os comboios - Daniel Deusdado
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PSD a ver passar todos os comboios

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31.12.2023

Este atraso não é de agora. Em 1992, Espanha inaugurou o seu comboio de alta velocidade, Madrid-Sevilha. Era o tempo da Expo92, de Felipe González, e de uma aproximação vertiginosa de Espanha ao desenvolvimento europeu - eles também entraram na CEE em 1986 e seis anos depois já tinham um comboio de alta velocidade...

Portugal ficou a ver passar comboios. O cavaquismo apostou nas autoestradas, o que à época se percebia dado o nosso atraso em tudo - ainda andávamos a tentar acabar a A1, entre Porto e Lisboa. Só que não houve meio termo. E assim chegamos a 2024 sem um quilómetro de ferrovia novo em funcionamento, 50 anos depois do 25 de Abril e quase 40 após os fundos comunitários. A ligação entre Sines e Elvas está quase operacional, mas ainda por acabar - limitada a via única e só para mercadorias. Foi tudo o que sobrou do socratismo, onde se pretendeu acelerar a ferrovia, no exato........

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