Num mundo repleto de pré-conceitos, da permanente publicidade sobre experts e especialistas, de rankings sobre todas as atividades humanas, pode ser prejudicial abordar o tema da expertise. E, no entanto, é um tema fundamental. Interpelar o tema da expertise, numa lógica humilde e de promoção permanente das nossas competências, pode contribuir para um crescimento positivo de profissionais e, em última análise, na melhoria continua de serviços prestados, nas mais variadas áreas profissionais.

E o que se sabe sobre a ciência da expertise? Diferentes profissionais, da medicina aos controladores de tráfego aéreo, de músicos a desportistas de alta competição, foram amplamente estudados ao longo de mais de 40 anos. E identificaram-se algumas dimensões que caracterizam os experts. Treinam mais horas que os seus pares, fora das horas de atividade profissional. Por exemplo, importa sobretudo saber o número de horas que um pianista ensaiou, excluindo o tempo gasto em concertos. Os experts trabalham, ensaiam, treinam sempre mais horas que os seus colegas. Fazem-no sempre promovendo uma observação direta por parte de um coach, supervisor, treinador. O objetivo central da observação é identificar aspetos a melhorar, erros, o que está a ser executado com menor proficiência. Assim, recebem feedback direto sobre o seu desempenho. Estes profissionais querem que alguém os observe (evitando os ‘ângulos mortos’ que todos temos) e lhes digam o que estão a fazer menos bem, e querem ter esse feedback de imediato. Saber onde podem melhorar de forma contínua. Do feedback, são definidos micro-objetivos. Sim, pequenos objetivos! O processo de melhoria é realizado pelo ensaio repetitivo de competências específicas. Que possam ser bem claras, operacionalizáveis e porventura mensuráveis. O ensaio repetitivo é uma característica base dos experts que levam, por vezes à exaustão, a sua perseverança. A conjugação destes fatores: a) observação desempenho; b) feedback de um coach; c) estabelecimento de objetivos; d) ensaio comportamental; e) nova observação, perfazem as dimensões da prática deliberada. Termo cunhado por Anders Ericsson, psicólogo, e um dos precursores da ciência da expertise. A prática deliberada é um treino baseado na evidência que mantém o ciclo da excelência em permanente atividade. Deste modo, sabe-se que: os experts são peritos em domínios específicos e isolados, e as suas competências não tendem a generalizar para outros domínios; apreendem padrões relevantes na sua área profissional, tendo “mapas cognitivos” bastante elaborados sobre a sua atividade; são mais rápidos a processar informação e executar ações relevantes, com margem de erro inferior à dos seus pares.

Expertise não é um sinónimo de competência. Esta pressupõe a execução de forma competente das skills dos profissionais. No caso de expertise presume-se uma proficiência de desempenho superior, consistente, e de melhoria contínua. A investigação nesta área vem colocar em questão alguns dogmas. Por exemplo, a experiência acumulada não é preditor de resultados de excelência. Em algumas áreas, mais experiência, não é sinónimo de mais competência. Pelo contrário, alguns profissionais mantêm a sua performance ao longo dos anos ou podem mesmo ir piorando. Outra questão prende-se com o talento que, por si só, não produz profissionais excecionais. Geralmente, os grandes talentos, tiverem sempre alguém que os incentivou desde tenra idade, e permaneceram a vida inteira em sucessivos e rigorosos treinos. Não é raro termos a assunção que talento e experiência explicam os grandes resultados. A investigação contraria o senso comum e, alcançar desfechos excecionais, está muito associado ao tempo a mais que o profissional tira para praticar diferentes competências, mas também, ao modo específico como usa esse tempo de treino. Não basta apenas acumular horas de prática. É por essa razão que, as especificidades das dimensões da prática deliberada, são cruciais para o elevar contínuo de competências. Não raras vezes também, ouvimos respostas de profissionais dizer ‘bom, mas eu já faço isso’. No entanto, e após uma observação mais rigorosa, reconhece-se que não estão a ser postos em prática todos os pressupostos da prática deliberada.

Os pressupostos da ciência da expertise, com investigação que os sustenta, poderão ser aplicados e a diferentes áreas. Incluindo no ensino superior, ainda muito influenciado por ensino, fundamentalmente, conceptual. Os profissionais precisam de conceitos, teorias, uma grelha de leitura para compreenderem e interpretarem os fenómenos das suas áreas específicas. Mas precisam também, de saber pôr em prática e sobretudo de treinar e ensaiar de forma contínua as duas competências técnicas. Ou seja, investir muito no ensino processual.

QOSHE - Como Formar Especialistas - Daniel Sousa
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Como Formar Especialistas

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20.04.2024

Num mundo repleto de pré-conceitos, da permanente publicidade sobre experts e especialistas, de rankings sobre todas as atividades humanas, pode ser prejudicial abordar o tema da expertise. E, no entanto, é um tema fundamental. Interpelar o tema da expertise, numa lógica humilde e de promoção permanente das nossas competências, pode contribuir para um crescimento positivo de profissionais e, em última análise, na melhoria continua de serviços prestados, nas mais variadas áreas profissionais.

E o que se sabe sobre a ciência da expertise? Diferentes profissionais, da medicina aos controladores de tráfego aéreo, de músicos a desportistas de alta competição, foram amplamente estudados ao longo de mais de 40 anos. E identificaram-se algumas dimensões que caracterizam os experts. Treinam mais horas que os seus pares, fora das horas de atividade profissional. Por exemplo, importa sobretudo saber o número de horas que um pianista ensaiou, excluindo o tempo gasto em concertos. Os experts trabalham, ensaiam, treinam sempre mais horas que os seus colegas. Fazem-no sempre promovendo uma observação direta por parte de um coach, supervisor, treinador. O objetivo central da observação é identificar........

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