"Nós temos as contas feitas e vamos apresentá-las com detalhes, acreditem."

A frase é de Luís Montenegro este sábado, no congresso do PSD, depois de prometer que, se o PSD sair governo das eleições de 10 de março, aumentará o Complemento Solidário para Idosos (CSI) para 820 euros até 2028.

820 euros, recordemos, é o valor fixado para o salário mínimo em 2024. Montenegro também disse que quer que em duas legislaturas o valor mínimo das pensões (todas?) iguale o salário mínimo - o que significa uma de duas coisas: ou se for primeiro-ministro não tenciona pugnar por mais aumentos do salário mínimo (criticou-os, de resto) ou está ainda mais mãos largas do que parece à primeira vista.

E à primeira vista já parece mesmo muito. Desde logo porque, como se percebeu nas horas e dias seguintes ao anúncio, ninguém no PSD parece fazer ideia ou quer dizer a quanto orça a medida.

Vejamos: Joaquim Miranda Sarmento, o presidente da bancada parlamentar do PSD, por acaso doutor em finanças, tem dito que o universo de beneficiários é de 170 mil, mas afirmou à CNN que a medida "custará dezenas (ou poucas centenas) de milhões de euros"; em conferência de imprensa esta segunda-feira, António Leitão Amaro, vice-presidente do partido, fala de "uma massa de despesa com um valor contido".

Comecemos pelo número de beneficiários: em agosto, de acordo com o que foi noticiado, eram 131 mil, e é pouco provável que tenham aumentado tanto (para 170 mil) em tão poucos meses. Mas vamos partir do princípio de que Miranda Sarmento está já a contar com o facto de que, crescendo o valor de referência para a prestação, mais gente "caberá" no critério, o que é correto.

Vamos então fazer contas usando o número de Miranda Sarmento. Sendo o valor médio recebido pelos 131 mil beneficiários contabilizados em agosto de quase 144 euros (o CSI é um complemento atribuído pela Segurança Social para que os idosos tenham um rendimento mínimo mensal; foi fixado em 488 euros em 2023 e será de 550 euros em 2024), podemos concluir que em média estes idosos tiveram em 2023 um rendimento base de 344 euros. Para que em 2024 a soma entre esse rendimento e o CSI perfaça 550, será necessário que a prestação seja em média de cerca de 200 euros. Para um universo de 131 mil beneficiários, tal implica cerca de 314 milhões de euros. Para um universo de 170 mil, 408 milhões.

Agora façamos as contas à promessa de Montenegro: a diferença entre 550 e 820 é de 270 euros; dividindo esses 270 euros por quatro anos, dá 67,5 euros/ano.

Tal implica, para os 170 mil beneficiários apontados pelo PSD, mais 137,7 milhões anuais. Que terão de se somar aos valores anteriores. Assim, em 2025, teremos 408 milhões mais 137,7 - 545,7 milhões; em 2026, 683,4 milhões; em 2027, 821,1 milhões, e em 2028, 958,8 milhões.

Está muitíssimo longe das "dezenas ou poucas centenas" referidas por Miranda Sarmento (e desde logo diga-se que é espantoso que se fale de dezenas ou centenas de milhões como se fosse tudo o mesmo) e decerto não é "uma massa de despesa com valor contido". Até porque, como já referido, quanto mais o valor de referência do CSI aumentar, mais idosos caberão no critério estabelecido - não ter rendimentos acima do valor fixado - e mais o número potencial de beneficiários aumenta. Esse aumento no número de beneficiários implicará ainda mais despesa, pelo que facilmente mil milhões não chegarão para cumprir a promessa.

E menos ainda se, como Montenegro diz desejar, em duas legislaturas todos os pensionistas tenham uma pensão igual ao salário mínimo - uma velha reivindicação da esquerda, a chamada "convergência das pensões mínimas com o salário mínimo", que creio que pelo menos o PCP ainda defende (o PS afastou-se dela há anos, por considerar que, não havendo condição de recursos nas pensões mínimas, não deve ser essa prestação, mas o CSI, que tem condição de recursos, a aumentar; o PSD, que durante o governo Passos aumentou as pensões mínimas e desorçamentou o CSI, diz agora o mesmo que o PS).

Mas voltemos à promessa de Montenegro e ao seu custo aqui estimado: podemos considerar que é dinheiro bem gasto e que o país está disposto a gastá-lo para certificar que os idosos necessitados têm um rendimento razoável. Deixemos para já de lado considerações, que fazem sentido, sobre dessa forma se estar a equiparar a pensão de quem toda a vida descontou por inteiro sobre ordenados baixos e de quem descontou pouco ou nada.

Lembremos que o PSD e Montenegro não apareceram no sábado, e que há apenas oito anos e meio garantiam como absolutamente necessário, para que a Segurança Social fosse sustentável, a "Introdução de uma medida para a sustentabilidade da Segurança Social (cerca de 600 milhões de euros)".

Era o que se lia (e lê ainda) na página 39 do Programa de Estabilidade 2015-2019, desenhado pelo governo de Passos em abril de 2015: "As pensões em pagamento não são suportadas pela carreira contributiva dos beneficiários das mesmas, mas antes pelas contribuições dos trabalhadores no ativo e respetivos empregadores, bem como por transferências do Orçamento do Estado. (...) Num contexto de envelhecimento da população, assiste-se simultaneamente à diminuição da população ativa que contribui para o sistema e ao aumento da despesa com pensões por aumento do número de beneficiários e da longevidade. Este problema agravou-se substancialmente nos últimos 15 anos, tornando-se urgente adotar uma solução de médio prazo, uma vez que o modelo de financiamento não permite assegurar a cobertura das responsabilidades dos direitos em formação, nas próximas duas décadas."

O documento não detalhava a forma de chegar a esse absolutamente urgente "impacto positivo de 600 milhões no sistema de pensões", porém "para efeitos meramente quantitativos de modelização do cenário", assumia-se que tinham sido "utilizadas as hipóteses técnicas assumidas no Documento de Estratégia Orçamental para 2014-2018 (...) salientando que, dada a decisão de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional, a configuração da medida será necessariamente diferente."

A decisão de inconstitucionalidade referida tinha-se aplicado ao corte permanente, aprovado pela maioria PSD-CDS/PP, entre 2 e 3,5% nas pensões acima de mil euros - a chamada "contribuição de sustentabilidade" -, com a qual o executivo tinha previsto poupar cerca de 372 milhões de euros anuais a partir de 2015. As outras medidas previstas no referido Documento de Estratégia Orçamental (página 42), e com as quais se previa uma poupança de 577 milhões nas "prestações sociais", incluam "ajuste na idade de acesso à pensão de velhice" (menos 205 milhões), introdução de condição de recursos nas pensões de sobrevivência (100 milhões, medida chumbada pelo Tribunal Constitucional em 2014) e "outras medidas setoriais" (198 milhões).

Pelos motivos conhecidos, nunca se soube como iria um governo presidido por Passos poupar (leia-se cortar) os ditos 600 milhões que assegurava essenciais para a sustentabilidade do sistema previdencial. Mas sabe-se que, como líder da bancada do PSD entre 2011 e 2015, Luís Montenegro nunca demonstrou discordar da necessidade dos cortes nas pensões e outras prestações sociais propostos pelo executivo - votou-os todos favoravelmente - e da emergência na Segurança Social tal como caracterizada no documento citado.

Então das duas uma: ou nunca acreditou naquilo que passou anos a defender ou não acredita naquilo que defende agora. Pelo que, a não ser que considere que a governação do PS permitiu que o cenário negro predito por Passos, pelo PSD e por si próprio deixou de fazer sentido, e os amanhãs passaram a cantar, não há como crer numa palavra do que diz sobre pensões.

QOSHE - A insustentabilidade de Montenegro - Fernanda Câncio
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A insustentabilidade de Montenegro

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28.11.2023

"Nós temos as contas feitas e vamos apresentá-las com detalhes, acreditem."

A frase é de Luís Montenegro este sábado, no congresso do PSD, depois de prometer que, se o PSD sair governo das eleições de 10 de março, aumentará o Complemento Solidário para Idosos (CSI) para 820 euros até 2028.

820 euros, recordemos, é o valor fixado para o salário mínimo em 2024. Montenegro também disse que quer que em duas legislaturas o valor mínimo das pensões (todas?) iguale o salário mínimo - o que significa uma de duas coisas: ou se for primeiro-ministro não tenciona pugnar por mais aumentos do salário mínimo (criticou-os, de resto) ou está ainda mais mãos largas do que parece à primeira vista.

E à primeira vista já parece mesmo muito. Desde logo porque, como se percebeu nas horas e dias seguintes ao anúncio, ninguém no PSD parece fazer ideia ou quer dizer a quanto orça a medida.

Vejamos: Joaquim Miranda Sarmento, o presidente da bancada parlamentar do PSD, por acaso doutor em finanças, tem dito que o universo de beneficiários é de 170 mil, mas afirmou à CNN que a medida "custará dezenas (ou poucas centenas) de milhões de euros"; em conferência de imprensa esta segunda-feira, António Leitão Amaro, vice-presidente do partido, fala de "uma massa de despesa com um valor contido".

Comecemos pelo número de beneficiários: em agosto, de acordo com o que foi noticiado, eram 131 mil, e é pouco provável que tenham aumentado tanto (para 170 mil) em tão poucos meses. Mas vamos partir do princípio de que Miranda Sarmento está já a contar com o facto de que, crescendo o valor de referência para a prestação, mais gente "caberá" no critério, o que é correto.

Vamos então fazer contas usando o número de Miranda Sarmento. Sendo o valor médio recebido pelos 131 mil beneficiários contabilizados em agosto de quase 144 euros (o CSI é um complemento atribuído pela Segurança Social para........

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