A economia norte-americana criou 353 mil novos postos de trabalho em janeiro, num desempenho muito acima do esperado e que coloca o primeiro mês de 2004 como o melhor na criação de emprego na América em 12 meses.

Foi mais uma prova de que o mercado de trabalho dos EUA é sólido e está preparado para apoiar um crescimento económico mais amplo.

O Dow Jones antecipava a criação de 185 mil empregos para janeiro, mas a realidade acabou por mostrar quase o dobro dessa estimativa. A taxa de desemprego manteve-se nos 3,7%, contra a estimativa de 3,8%. O crescimento dos salários também mostrou força, já que o rendimento médio por hora aumentou 0,6%, o dobro da estimativa mensal. Na comparação anual, os salários aumentaram 4,5%, bem acima da previsão de 4,1%. O crescimento do emprego foi generalizado pelos diferentes setores do tecido empresarial dos EUA: serviços profissionais e empresariais (74.000), cuidados de saúde (70 000), comércio a retalho (45.000), Governo e estrutura federal (36.000), assistência social (30 000) e indústria transformadora (23.000).

Tratam-se de sinais animadores para a rota da Economia americana em 2024, depois de um ano de 2023 que já tinha sido positivo. Os EUA cresceram 2,5% no global do ano passado - o triplo da média da UE, sendo no último trimestre de 2023 o valor foi ainda superior: 3,3%.

Boas notícias para a reeleição de Joe Biden, certo? Era suposto que sim. Mas nestes tempos de desinformação e imprevisibilidade, não é claro que a robustez da economia americana seja o fator mais relevante para a escolha do eleitorado.

Mesmo assim, os últimos dias já estão a revelar alguma recuperação do Presidente nas sondagens para novembro.

Depois da fase em que Trump aparecia quase sempre à frente, desde quinta-feira apareceram duas sondagens a colocar Joe à frente: 50/44 para Biden (Quinnipiac), 43/42 para a Economist/YouGov - embora pelo meio também uma da CNN que dá quatro pontos percentuais de avanço para Trump (49/45).

Tudo em aberto, portanto.

Vale lembrar que há quatro anos, em período homólogo no lançamento para a eleição de novembro de 2020, Joe estava cinco pontos à frente de Donald nas sondagens nacionais.

Para já, Trump continua a ter alguma vantagem nos estados decisivos, mas também nesse plano Biden dá mostras de alguma recuperação. No Wisconsin, onde Trump surgia 3 a 5 pontos à frente até há um mês, há neste momento um empate total: 47-47 (FOX News, 26/30 janeiro). Ainda assim, para os mercados de apostas, a maior parte do dinheiro continua a ir para um regresso de Trump à Casa Branca: 43%, contra apenas 33% do dinheiro apostado na reeleição de Biden. Com uma curiosidade: 9% dos apostadores investem num cenário de… Michelle Obama presidente.

Ponto prévio nesta parte da conversa: Michelle Obama não será candidata. Muito menos presidente dos Estados Unidos da América.

Então por que é que estamos a falar sobre ela? Pois. Isso é o mais importante a considerar: é que quando tanta gente no lado democrata suspira por um possível avanço da ex-Primeira Dama, isso revela um desconforto que persiste em torno da recandidatura de Biden.

As dificuldades de Biden em bater Donald Trump, as fragilidades evidenciadas pelo presidente, decorrentes dos seus 81 anos, são pasto para que este tipo de cenários muito pouco realistas floresçam.

Sejamos claros: não vai acontecer. Por uma simples razão: Michelle nunca deixou aberta essa porta. Nos últimos anos, foi sempre clara ao garantir que não tem qualquer interesse em assumir um cargo político eletivo. E apesar do buzz em torno de uma possível candidatura presidencial, aumentado nas últimas semanas, nada fez para dar gás a essa possibilidade.

Então por que é que se continua a falar de Michelle-candidata? Porque ela é, há já muitos anos, a pessoa mais popular e respeitada do campo democrata. Mais do que isso: Michelle Obama é um caso sério de sucesso em qualquer ranking sobre credibilidade e aceitação.

Em 2010, ainda em fase inicial do primeiro mandato presidencial de Barack Obama, um estudo do Pew Research Centre dava 71% de popularidade a Michelle, quase o dobro do que o marido tinha em igual período. E acima da aprovação de qualquer outra Primeira Dama norte-americana. Em 2019, um estudo do YouGov colocava Michelle como a mulher mais admirada do mundo, acima de Oprah Winfrey, Angelina Jolie, rainha Isabel II, Emma Watson, Malala Yousafzai, Peng Liyuan, Hillary Clinton, Tu Youyou e Taylor Swift.

No final de 2020, um outro estudo do Gallup colocava Michelle em primeiro lugar como mulher mais admirada pelos norte-americanos, à frente de Kamala Harris, Melania Trump, Oprah Winfrey, Angela Merkel, Hillary Clinton, Alexandria Ocasio-Cortez, rainha Isabel II, Amy Coney Barret e a ativista climática Greta Thunberg.

Sucede que uma corrida presidencial norte-americana é um processo muito exigente, que implica um misto de grande vontade e ambição pessoal, com um grau de sacrifício considerável. E quando a pessoa em causa não quer… pouco ou mesmo nada há a fazer.

Acresce que o tempo urge. As primárias já estão a decorrer e só um acontecimento de força maior poderia travar a candidatura presidencial de Joe Biden, que está em marcha e vai mesmo desembocar na investidura na Convenção de Chicago (19-22 agosto).

Há oito anos que andamos a tentar o que, para muitos, parece incompreensível: o que leva tantos milhões de norte-americanos a quererem votar em Trump? George Monbiot, no The Guardian, atira: “Os psicólogos podem ter a resposta (…). A cultura dos EUA é uma incubadora de ‘valores extrínsecos’. Ninguém os incorpora como o líder republicano. As pessoas no extremo extrínseco do espetro são mais atraídas por prestígio, status, imagem, fama, poder e riqueza. São fortemente motivados pela perspetiva de recompensas e elogios individuais. É mais provável que objetifiquem e explorem outras pessoas, que se comportem de forma rude e agressiva e que ignorem os impactos sociais e ambientais. Têm pouco interesse em cooperação ou comunidade.”

“Pessoas com um forte conjunto de valores extrínsecos têm maior probabilidade de frustração, insatisfação, stress, ansiedade, raiva e comportamento compulsivo”, insiste Monbiot, para depois assumir: “Trump exemplifica os valores extrínsecos: a torre com o seu nome em letras douradas até aos exageros grosseiros da sua riqueza; o interminável discurso sobre ‘vencedores’ e ‘perdedores’ até ao suposto hábito de fazer batota no golfe; desde a sua extrema objetificação das mulheres, incluindo a sua própria filha, até à sua obsessão pelo tamanho das suas mãos; a rejeição do serviço público, dos Direitos Humanos e da proteção ambiental até à sua extrema insatisfação e fúria, que não diminuíram mesmo quando era presidente dos Estados Unidos, Trump, talvez mais do que qualquer outra figura pública na história recente, é um monumento ambulante aos valores extrínsecos.”

Monbiot, escritor inglês que tem estudado os efeitos da crise climática na evolução das correntes políticas e das escolhas dos eleitorados, vai mais longe: “Se as pessoas vivem sob um sistema político cruel e ganancioso, tendem a normalizá-lo e internalizá-lo, absorvendo as suas reivindicações dominantes e traduzindo-as em valores extrínsecos. Cria-se um sistema político ainda mais cruel e mais ambicioso.”


Especialista em Política Internacional

QOSHE - O que se passa com a América? - Germano Almeida
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

O que se passa com a América?

7 1
05.02.2024

A economia norte-americana criou 353 mil novos postos de trabalho em janeiro, num desempenho muito acima do esperado e que coloca o primeiro mês de 2004 como o melhor na criação de emprego na América em 12 meses.

Foi mais uma prova de que o mercado de trabalho dos EUA é sólido e está preparado para apoiar um crescimento económico mais amplo.

O Dow Jones antecipava a criação de 185 mil empregos para janeiro, mas a realidade acabou por mostrar quase o dobro dessa estimativa. A taxa de desemprego manteve-se nos 3,7%, contra a estimativa de 3,8%. O crescimento dos salários também mostrou força, já que o rendimento médio por hora aumentou 0,6%, o dobro da estimativa mensal. Na comparação anual, os salários aumentaram 4,5%, bem acima da previsão de 4,1%. O crescimento do emprego foi generalizado pelos diferentes setores do tecido empresarial dos EUA: serviços profissionais e empresariais (74.000), cuidados de saúde (70 000), comércio a retalho (45.000), Governo e estrutura federal (36.000), assistência social (30 000) e indústria transformadora (23.000).

Tratam-se de sinais animadores para a rota da Economia americana em 2024, depois de um ano de 2023 que já tinha sido positivo. Os EUA cresceram 2,5% no global do ano passado - o triplo da média da UE, sendo no último trimestre de 2023 o valor foi ainda superior: 3,3%.

Boas notícias para a reeleição de Joe Biden, certo? Era suposto que sim. Mas nestes tempos de desinformação e imprevisibilidade, não é claro que a robustez da economia americana seja o fator mais relevante para a escolha do eleitorado.

Mesmo assim, os últimos dias já estão a revelar alguma recuperação do Presidente nas sondagens para novembro.

Depois da fase em que Trump aparecia quase sempre à frente, desde quinta-feira apareceram duas sondagens a colocar Joe à frente: 50/44 para Biden (Quinnipiac), 43/42........

© Diário de Notícias


Get it on Google Play