Trump está a jogar no caos internacional para voltar à Casa Branca. O ataque do Irão a Israel foi o mais recente exemplo de como o candidato republicano tenta aproveitar tudo para lançar a ideia de que Biden “enfraquece os EUA” e não é capaz de resolver as guerras. “Comigo a presidente, nada disto acontecia”, atira Donald, nos comícios. “Vocês sabem-no, eles sabem-no, toda a gente sabe.”

“Deus abençoe o povo de Israel. Eles estão a ser atacados neste momento. É por sermos tão fracos”, afirmou o ex-presidente dos Estados Unidos num comício em Schnecksville, Pensilvânia.

Para quem acompanha os pormenores da invasão russa da Ucrânia e da crescente instabilidade no Médio Oriente parecem insinuações básicas, erradas e sem fundamento. Sucede que grande parte do eleitorado norte-americano não se interessa pelos temas internacionais e revê-se na tese trumpista do “America First”.

Os riscos crescentes da situação internacional - com uma Ucrânia enfraquecida no terreno e Israel atolada na chacina em Gaza e, agora, na promessa de retaliar contra o regime iraniano, após o ataque de 185 drones e 146 mísseis de Teerão contra território israelita no passado sábado - ajudam a essa estratégia de vasculhar no caos.

É de esperar que, nos próximos seis meses e meio, Trump explore o argumento de que Biden tem responsabilidades no agravar da imprevisibilidade dos temas Ucrânia e Israel e queira aparecer como o “construtor da paz” no Leste da Europa (leia-se: capitulação da Ucrânia pelo aperto na ajuda americana e proximidade com a narrativa de Putin de justificar a ocupação russa) e um aliado mais musculado de Israel, capaz de travar a ameaça iraniana.

Até pode vir a ser uma estratégia bem-sucedida. Mas a realidade é um pouco mais complicada do que isso.

Biden corre o risco de se revelar uma espécie de personagem trágica no modo como tem liderado a posição norte-americana nas duas guerras: está a fazer o que é certo, mas isso pode vir a prejudicá-lo eleitoralmente. Para boa parte do eleitorado americano, mesmo do lado democrata, o destino da Ucrânia tem a ver com a Europa e não com os EUA. Já no que toca ao Médio Oriente, o sentimento pró-Israel continua a ser maioritário nos Estados Unidos - mas a crítica a Netanyahu é relevante em setores progressistas.

Ora, essa conjugação pode custar muitos votos a Joe Biden em novembro. Mesmo que até lá tome as decisões mais acertadas para os interesses americanos na gestão das duas guerras.

Trump aposta no congelamento do apoio à Ucrânia, pela via do Congresso, que controla à distância através do desconcertante Mike Johnson, o que tem levado Zelensky quase ao desespero. Donald prepara-se para fazer uma campanha presidencial baseada na ideia de que, com ele, não haverá mais ajudas a fundo perdido, mas apenas com empréstimos. E que, com ele, haverá “paz”.

O grande problema é que muita gente não compreende que “paz” será essa: forçar a Ucrânia a ceder e render-se, oferecendo de bandeja a Putin 20% (ou mais, na altura em que essa barganha possa vir a ocorrer) do território ucraniano. Um convite aos poderes autoritários para fazerem o mesmo e não serem travados.

Fiona Hill, antiga conselheira de Trump para a Rússia e Leste da Europa, em rutura com Donald há vários anos (foi uma das testemunhas do primeiro impeachment a Trump, em 2019, baseado na questão do financiamento militar americano à Ucrânia que estaria dependente de Zelensky revelar informação privilegiada sobre supostas ligações do filho de Biden à empresa ucraniana Burisma), revela no livro Novas Guerras Frias: a ascensão da China, a invasão russa e a luta da América para defender o Ocidente, da autoria do jornalista no New York Times, David Sanger: “Trump deixou bem claro que pensava que a Ucrânia, e certamente a Crimeia, devem fazer parte da Rússia.”

A diretora sénior para os Assuntos Europeus e Russos do Conselho de Segurança Nacional entre 2017 e 2019 foi mais longe: “Trump não conseguia entender a ideia de que a Ucrânia era um Estado independente.”

Com Trump na Casa Branca entre janeiro de 2025 e janeiro de 2029, Putin só terá de esperar uns anos para poder voltar a fazer uma agressão em espaço pós-soviético: seja mais uma parte de território ucraniano, ou a Moldávia, ou a Geórgia. Por isso, Donald Tusk, o regressado primeiro-ministro polaco, tem repetido tanto: “A Europa entrou numa fase pré-guerra.”

Atentemos ao que disse o líder do Comité de Inteligência do Congresso, o republicano Mike Turner: “Há colegas meus de partido aqui no Congresso a espalhar propaganda de Putin.”

Tem tudo para correr mal.

QOSHE - Trump a vasculhar no caos - Germano Almeida
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Trump a vasculhar no caos

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18.04.2024

Trump está a jogar no caos internacional para voltar à Casa Branca. O ataque do Irão a Israel foi o mais recente exemplo de como o candidato republicano tenta aproveitar tudo para lançar a ideia de que Biden “enfraquece os EUA” e não é capaz de resolver as guerras. “Comigo a presidente, nada disto acontecia”, atira Donald, nos comícios. “Vocês sabem-no, eles sabem-no, toda a gente sabe.”

“Deus abençoe o povo de Israel. Eles estão a ser atacados neste momento. É por sermos tão fracos”, afirmou o ex-presidente dos Estados Unidos num comício em Schnecksville, Pensilvânia.

Para quem acompanha os pormenores da invasão russa da Ucrânia e da crescente instabilidade no Médio Oriente parecem insinuações básicas, erradas e sem fundamento. Sucede que grande parte do eleitorado norte-americano não se interessa pelos temas internacionais e revê-se na tese trumpista do “America First”.

Os riscos crescentes da situação internacional - com uma Ucrânia enfraquecida no terreno e Israel atolada na chacina em Gaza e, agora, na promessa de retaliar contra o regime iraniano, após o ataque de 185 drones e 146 mísseis de Teerão contra........

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