Numa cena de A Vida de Bryan, o Monty Python John Cleese pergunta aos seus camaradas revolucionários: “O que é que os romanos alguma vez fizeram por nós?”. Aquedutos, saneamento, estradas, medicina são apenas alguns dos exemplos que dão, mas sem conseguir demover Cleese do seu ceticismo. Com as eleições europeias a aproximarem-se, e os receios de que, como se tornou habitual, a abstenção seja alta, chegou a hora de perguntar “O que é que a União Europeia alguma vez fez por nós?”

E o rol de respostas é também ele longo. Antes da adesão à então Comunidade Económica Europeia (CEE), em 1986 - nove anos depois de Mário Soares ter apresentado a candidatura, numa altura em que a democracia portuguesa dava os primeiros passos depois do 25 de Abril e o país procurava o seu destino europeu -, Portugal lidava com uma elevadíssima taxa de pobreza, baixas qualificações, incluindo uma elevada taxa de analfabetismo, e só uma minoria de jovens tinha acesso ao Ensino Superior. Para perceber a evolução, basta olhar para os números: em 1992, a taxa de abandono escolar ainda era de 50%, em 2000 passou para 43,6% e em 2023 foi de apenas 8%. Em grande medida, avanços conquistados com apoio de fundos europeus.

Na altura, meses depois de Soares ter assinado, nos Jerónimos, o Tratado de Adesão - no mesmo dia da vizinha Espanha - a economia baseava-se nos baixos salários e numa mão-de-obra pouco qualificada, e de fraca intensidade tecnológica. Hoje, houve uma óbvia evolução - o salário médio passou do equivalente a 700 euros para 1505 (8,1 euros/hora, mesmo assim bem abaixo dos 24 euros/hora da média europeia). Mas o país ainda está atrás em indicadores como a produtividade ou o PIB per capita.

Para quem tem dúvidas do papel da UE na nossa vida, não precisamos de ir muito longe para encontrar exemplos concretos de como esta ficou mais fácil desde a adesão. Como filha de emigrantes ainda me lembro de a minha mãe preparar saquinhos de francos e pesetas, além dos escudos, sempre que vínhamos de férias, para pagar as portagens da Suíça a Portugal, enquanto hoje podemos viajar para 20 países da UE sem termos de trocar os nossos euros. E nem precisamos de passaporte para andar pelo Espaço Schengen, onde viver e trabalhar se tornou tão mais fácil. E nem vou falar do roaming!

Com a pandemia descobrimos que afinal Bruxelas não era só burocracia e que os líderes europeus se conseguiam organizar para comprar vacinas em conjunto e distribuí-las pelos Estados-membros. E para os muitos preocupados com o impacto da Inteligência Artificial, a UE também criou a primeira lei no mundo para regular a IA.

Saúde, educação, transportes - as autoestradas, que fizeram com que de Bragança a Lisboa já não seja “nove horas de distância”, como cantavam os Xutos, mesmo se os nossos governantes, ao apostar tudo na rede rodoviária, se esqueceram de desenvolver a ferrovia - o Portugal de 2024 não tem comparação com o 1986. E muito menos com o Portugal de antes da revolução de 1974 que veio pôr fim a meio século de ditadura e isolamento do país. Os portugueses sabem-no, como mostrou o último Eurobarómetro, divulgado esta semana: 88% responderam que o país beneficiou com a adesão à UE, quando a média nos 27 anda nos 71%.

Apesar deste euro-otimismo, os portugueses não estão satisfeitos com a evolução das suas condições de vida nos últimos cinco anos: 56% dizem que piorou (45% na UE) e só 4% que melhorou (6% na UE).

Mas serem os mais pró-europeus dos europeus não se tem traduzido numa ida em massa às urnas dos portugueses na hora de eleger o novo Parlamento Europeu. Em 2019, a abstenção foi a mais elevada de sempre - 68,6%. Cinco anos depois, tudo o que vivemos desde então - do Brexit à covid, passando pela invasão russa da Ucrânia que trouxe uma guerra para as fronteiras da UE - fará com que seja diferente? Voltando ao Eurobarómetro, 57% dos portugueses disseram ser provável que vão votar a 9 de junho (o escrutínio realiza-se em toda a UE entre 6 e 9, com a eleição em Portugal a calhar em véspera de feriado do Dia Nacional), abaixo dos 71% da média europeia, mas mesmo assim dez pontos acima do que era há cinco anos. Um interesse que parece mais teórico do que prático, afinal só 14% mostraram conhecer a data (mês e ano) das eleições.

Entre receios de uma forte subida da extrema-direita na eleição dos 720 novos eurodeputados que vão representar 450 milhões de cidadãos da UE e a tendência para que estas eleições se transformem mais em referendos aos Governos Nacionais do que num palco para questões europeias, em Bruxelas a hora é de mobilização. Os edifícios do Parlamento Europeu exibem o slogan “Use o seu Voto” e foi na capital belga que, em conversa com o DN, o diretor-geral de Comunicação e porta-voz do Parlamento Europeu, Jaume Duch Guillot, me lembrava há dias: “O que importa não são as sondagens, é quem vai votar e quem vai ficar em casa.”

Por isso - e agora roubando a ideia a John F. Kennedy -, e se em vez de perguntar o que é que a UE já fez por si, perguntasse antes o que pode fazer pela UE - e, logo, por Portugal? A resposta é fácil: vá votar no dia 9.

Editora executiva do Diário de Notícias

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O que é que a União Europeia alguma vez fez por nós?

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20.04.2024

Numa cena de A Vida de Bryan, o Monty Python John Cleese pergunta aos seus camaradas revolucionários: “O que é que os romanos alguma vez fizeram por nós?”. Aquedutos, saneamento, estradas, medicina são apenas alguns dos exemplos que dão, mas sem conseguir demover Cleese do seu ceticismo. Com as eleições europeias a aproximarem-se, e os receios de que, como se tornou habitual, a abstenção seja alta, chegou a hora de perguntar “O que é que a União Europeia alguma vez fez por nós?”

E o rol de respostas é também ele longo. Antes da adesão à então Comunidade Económica Europeia (CEE), em 1986 - nove anos depois de Mário Soares ter apresentado a candidatura, numa altura em que a democracia portuguesa dava os primeiros passos depois do 25 de Abril e o país procurava o seu destino europeu -, Portugal lidava com uma elevadíssima taxa de pobreza, baixas qualificações, incluindo uma elevada taxa de analfabetismo, e só uma minoria de jovens tinha acesso ao Ensino Superior. Para perceber a evolução, basta olhar para os números: em 1992, a taxa de abandono escolar ainda era de 50%, em 2000 passou para 43,6% e em 2023 foi de apenas 8%. Em grande medida, avanços conquistados com apoio de fundos europeus.

Na altura, meses depois de Soares ter assinado, nos Jerónimos, o Tratado de........

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