O grande vencedor das eleições municipais brasileiras é o Partido Social Democrático (PSD) que, de 46 prefeituras no estado de São Paulo, pulou para 329 - setuplicou, portanto, o número de autarcas. O Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), pelo contrário, caiu de 238 para menos de um quinto, 43.

Um momento: houve eleições municipais no Brasil e o correspondente do DN no país nem sequer avisou? Não, não houve: elas continuam marcadas para os dias 6 e 24 de outubro só de 2024, mas a política brasileira, como nenhuma outra no mundo, faz-se de véspera.

Explicando: a eleição, em 2022, de Tarcísio de Freitas, apoiado por Jair Bolsonaro, para o Governo do estado de São Paulo, interrompendo quase 30 anos de poder estadual do PSDB, fez com que centenas de eleitos nas municipais de 2020 pela formação derrotada decidissem virar a casaca. Os prefeitos saíram, portanto, do partido fundado por Fernando Henrique Cardoso e José Serra para, num estalar de dedos, aderirem a formações na órbita do bolsonarismo, como o Republicanos, o braço político da IURD onde milita o próprio Tarcísio, o PP, o PL ou o citado PSD.

O PSD, sem relação com o quase homónimo português, foi o destino predileto dos vira-casacas apenas porque o seu líder, o habilidosíssimo Gilberto Kassab, acumula as funções partidárias com a secretaria do Governo de Tarcísio, responsável, exatamente, pela relação com as prefeituras.

No dia da fundação do PSD, em 2011, perguntaram a Kassab se o novo partido seria de direita, de esquerda ou de centro. Ele respondeu: "Será de direita, de esquerda e de centro".

Não mentiu: hoje, além da citada influência no Governo paulista do bolsonarista Tarcísio, administra as pastas da Agricultura, da Pesca e das Minas e Energia no Executivo federal liderado por Lula da Silva. Aliás, o PSD só é superado em número de ministérios pelo PT, o partido do presidente da República.

Se um dia Kassab visitar Portugal dirá que vota PS e PSD ao mesmo tempo. Se, mais especificamente, for ao Largo do Rato, jurará apoiar Pedro Nuno Santos. E José Luís Carneiro. Todos acreditarão. E, ganhe quem ganhar, lá estará ele, sem pudor, no poder.

Como no Brasil, com meia-dúzia de exceções, os partidos políticos, como o PSD de Kassab, não têm ideologia, nem doutrina, nem princípios, nem vergonha na cara, militar num ou noutro só depende de quem pagar mais ou de quem estiver mais bem posicionado no momento. No fundo, os políticos usam os mesmos critérios dos futebolistas quando decidem assinar pelo Palmeiras, pelo Corinthians ou pelo São Paulo.

Aliás, nos anos de eleições gerais até abre, de 1 a 31 de março, o mercado de transferências de deputados. Na janela do ano passado, 135 dos 513 deputados (26%) aproveitaram a ocasião para mudar de cor. A maioria das trocas, envolvendo 21 partidos diferentes, aconteceu nos últimos dias, como no futebol, quando, em cima do fecho, as partes finalmente cedem às exigências umas das outras.

As formações que mais se reforçaram na janela passada foram o PL, de Bolsonaro, e o PT, de Lula, porque os deputados queriam juntar-se aos eventuais vencedores na presidencial de dali a seis meses. Mas se, por acaso, apostaram no candidato errado, não há problema: mudam de partido outra vez, o mais tardar em março de 2026. Porque, no Brasil, virar a casaca é política de Estado.

Jornalista, correspondente em São Paulo

QOSHE - A arte de virar a casaca - João Almeida Moreira
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A arte de virar a casaca

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30.11.2023

O grande vencedor das eleições municipais brasileiras é o Partido Social Democrático (PSD) que, de 46 prefeituras no estado de São Paulo, pulou para 329 - setuplicou, portanto, o número de autarcas. O Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), pelo contrário, caiu de 238 para menos de um quinto, 43.

Um momento: houve eleições municipais no Brasil e o correspondente do DN no país nem sequer avisou? Não, não houve: elas continuam marcadas para os dias 6 e 24 de outubro só de 2024, mas a política brasileira, como nenhuma outra no mundo, faz-se de véspera.

Explicando: a eleição, em 2022, de Tarcísio de Freitas, apoiado por Jair Bolsonaro, para o Governo do estado de São Paulo, interrompendo quase 30 anos de poder estadual do PSDB, fez com que centenas de eleitos nas municipais de 2020 pela formação derrotada decidissem virar a........

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