Quem comete a imprudência de ler esta coluna sobre o Brasil há cerca de sete anos, sabe que ninguém está livre das críticas dela.

De Dilma Rousseff e dos seus erros crassos na política e na economia a Lula da Silva e as suas gaffes e megalomanias.

De Sergio Moro e os outros justiceiros com pés de barro incensados pela imprensa, cujos prejuízos institucional, financeiro e moral causados ao Brasil ainda serão um dia contabilizados, ao Supremo Tribunal Federal, que só é expedito a julgar em causas quase próprias.

E, claro, a versão local da extrema-direita, talvez a mais perigosa de todas, porque junta uma seita de tresloucados religiosos a um bando de generais ociosos de pijama que, em vez de se entreter a jogar Sudoku, se diverte a tramar golpes de Estado desastrados contra o moinho de vento do comunismo.

Porém, ninguém foi tão atacado por aqui até hoje como o Centrão. O Centrão é o grupo de cerca de 150 a 200 deputados que está no poder praticamente desde a redemocratização de 1985 porque se alia ao Governo de plantão, de esquerda ou de direita, em troca de cargos e verbas do Executivo.

Como ninguém no Brasil - nem fenómenos de popularidade eleitoral, como Lula ou Jair Bolsonaro - consegue ter uma maioria no esfrangalhado Parlamento brasileiro, o grupo é poderosíssimo.

Fernando Henrique Cardoso (FHC) passa metade das 1000 páginas das suas memórias a lastimar ter de alimentá-lo para conseguir governar. E os primeiros Governos do PT instituíram até uma mesada por baixo dos panos, o Mensalão, para o saciar.

Bolsonaro criou o Tratoraço, um Mensalão, mas a céu aberto e ainda mais ruinoso, onde o grupo se lambuzou como nunca, mesmo depois de em campanha o bolsonarismo ter feito rimas com “Centrão” e “ladrão”.

O atual Governo de Lula acomodou já uma meia dúzia de ministros do Centrão, em prejuízo, sobretudo, de ministras mulheres, técnicas e independentes vitimadas pelo lendário “pragmatismo” do presidente.

Collor de Mello não conseguiu seduzi-lo. Dilma enfrentou-o. Acabaram derrubados por dois impeachments conduzidos pelo grupo.

O caro leitor concordará, portanto, que é praticamente impossível elogiar o Centrão.

Porém - há sempre um porém -, numa altura em que a principal conclusão das eleições portuguesas de 10 de março, como se esperava, é que, em breve, haverá novas eleições, que, provavelmente, gerarão outras eleições e assim sucessivamente, com tudo o que isso representa de instabilidade, cansaço, confusão, desânimo e despesa, esta coluna - internem o colunista, se quiserem - entende, até certo ponto, a existência do Centrão.

O Centrão é como aquelas bactérias terríveis que são, afinal, úteis ao organismo, porque comem outras.

O Centrão é, no fundo, uma geringonça pau para toda a obra, como admite, noutros termos, claro, Arthur Lira, o líder do grupo e, também, atual presidente da Câmara dos Deputados.

Sócio de Bolsonaro, graças ao Tratoraço, e apoiante de Lula, por já estar cheio de amigalhaços no Governo, embora pressione o presidente numa base diária por mais nacos do Orçamento, Lira perguntou em entrevista na GloboNews: “O que seria dos Governos FHC, Bolsonaro ou Lula sem nós?” “O Centrão dá estabilidade, governabilidade e previsibilidade ao país.”

Por linhas tortíssimas, tem uma certa razão: a bactéria do oportunismo come a bactéria da instabilidade.

QOSHE - A falta que os oportunistas fazem - João Almeida Moreira
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A falta que os oportunistas fazem

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14.03.2024

Quem comete a imprudência de ler esta coluna sobre o Brasil há cerca de sete anos, sabe que ninguém está livre das críticas dela.

De Dilma Rousseff e dos seus erros crassos na política e na economia a Lula da Silva e as suas gaffes e megalomanias.

De Sergio Moro e os outros justiceiros com pés de barro incensados pela imprensa, cujos prejuízos institucional, financeiro e moral causados ao Brasil ainda serão um dia contabilizados, ao Supremo Tribunal Federal, que só é expedito a julgar em causas quase próprias.

E, claro, a versão local da extrema-direita, talvez a mais perigosa de todas, porque junta uma seita de tresloucados religiosos a um bando de generais ociosos de pijama que, em vez de se entreter a jogar Sudoku, se diverte a tramar golpes de Estado desastrados contra o moinho de vento do comunismo.

Porém, ninguém foi tão atacado por aqui........

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