Certas instituições do Brasil, até por não terem uma estrutura oficial propriamente dita e, por isso, em rigor, nem poderem ser consideradas instituições, são difíceis de definir. Não que elas sejam exclusivas do país mas aqui elas assumem uma relevância espantosa porque têm terreno fértil para florescer - e, no Brasil, em se plantando, tudo dá, já dizia o Pêro Vaz de Caminha, embora neste caso, infelizmente, não estejamos a falar de coqueiros ou afins.

Uma dessas "coisas" - chamá-la "instituição", como no primeiro parágrafo, foi um erro por ser ofensivo para as demais instituições - é o Centrão.

O Centrão, em resumo, é o conjunto de deputados, quase todos medíocres, que apoiam o governo de plantão, seja ele de Michel Temer, de Jair Bolsonaro ou de Lula da Silva, em troca de dinheiro para distribuir nos seus redutos e assim se eternizarem eleitoralmente no cargo. Como são em torno de uns 150 a 200 - espalhados por 10 ou 15 partidos sem valores nem princípios mas quase todos da direita moralista - num universo de 513, têm peso legislativo para manter o poder executivo como refém da sua vontade para aprovar ou rejeitar projetos.

O "toma lá dá cá"? Há em todo o lado, deve pensar o leitor já com o nome de três ou quatro parlamentares portugueses na cabeça - é verdade, mas no Brasil eles florescem, como os coqueiros.

Outra "coisa instituída", chamemos-lhe então desta forma, é a Milícia.

A Milícia, em resumo, é o grupo de ex-polícias e ex-bombeiros que nasceu do casamento entre a ascensão das organizações criminosas e a inação dos poderes públicos. Para proteger a população comum das primeiras, os milicianos ofereceram-se para preencher o vácuo permitido pelos segundos, sobretudo em bairros pobres e periféricos do Rio de Janeiro que cresceram, desordenados, entalados entre condomínios de luxo, favelas e áreas rurais. Em troca dessa proteção, os milicianos cobram dos populares pela água, pela luz, pelo gás, pela TV a cabo, pelo sinal de telefone, por tudo.

Máfia? Há em todo o lado, da original Itália, basta ver a série "O Polvo", à Nova Iorque dos Corleone, basta assistir à trilogia "O Padrinho", pensará o leitor - claro, mas no Rio as milícias florescem, como os coqueiros.

Ambos, Centrão e Milícia, identificam as necessidades locais e recorrem a chantagem pelos seus serviços. São bem relacionados no poder judicial. Têm um discurso falso moralista, ora contra os maus costumes, ora contra o tráfico de drogas. Provocam o caos e manipulam para obter vantagens políticas, económicas e sociais. Centrão e Milícia são, como notou o certeiro documentarista Renato Terra, em coluna do jornal Folha S. Paulo, uma espécie de gémeos idênticos, com a ressalva do primeiro, ao contrário da segunda, não recorrer à violência explícita.

São, afinal, frutos da mesma árvore, o Clientelismo, que não é exclusivo do Brasil - eu sei, caro leitor português, eu sei - mas assume uma relevância espantosa num país onde tem terreno fértil para florescer. E no Brasil em se plantando, tudo dá, como dizia o Pêro Vaz de Caminha, embora neste caso, infelizmente, não estejamos a falar de coqueiros e afins.

Jornalista, correspondente em São Paulo

QOSHE - Centrão, Milícia e coqueiros - João Almeida Moreira
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

Centrão, Milícia e coqueiros

6 0
16.11.2023

Certas instituições do Brasil, até por não terem uma estrutura oficial propriamente dita e, por isso, em rigor, nem poderem ser consideradas instituições, são difíceis de definir. Não que elas sejam exclusivas do país mas aqui elas assumem uma relevância espantosa porque têm terreno fértil para florescer - e, no Brasil, em se plantando, tudo dá, já dizia o Pêro Vaz de Caminha, embora neste caso, infelizmente, não estejamos a falar de coqueiros ou afins.

Uma dessas "coisas" - chamá-la "instituição", como no primeiro parágrafo, foi um erro por ser ofensivo para as demais instituições - é o Centrão.

O Centrão, em resumo, é o conjunto de deputados, quase todos medíocres, que apoiam o governo de plantão, seja ele de Michel Temer, de Jair Bolsonaro ou de Lula da Silva, em troca de........

© Diário de Notícias


Get it on Google Play