Sergio Moro aprendeu uma dura lição: um medíocre consegue passar mais ou menos despercebido nos bastidores da magistratura; no palco da política é imediatamente escancarado.

Depois de perseguir políticos por cerca de quatro anos com "parcialidade" (a conclusão é do Supremo Tribunal Federal), o ex-juiz tornou-se um deles ao aceitar, em 2018, ser "superministro" do mais cretino Governo da história brasileira.

Só em 2020, um ano e meio depois de conviver com analfabetos, desmatadores, negacionistas, terraplanistas, genocidas, ladrões de joias e racistas, é que percebeu que o então presidente o usava apenas para blindar a família e os amigos milicianos de problemas judiciais. E saiu.

Em 2022, achando-se capaz de carregar a bandeira de uma suposta terceira via a Bolsonaro e ao mesmo Lula que mandara prender, concorreu a presidente por um partido pequenino, que gastou o que tinha e o que não tinha na sua candidatura.

Sem subir um ponto sequer nas sondagens, à última hora atraiçoou o partido pequenino e decidiu candidatar-se por um outro maior. Mas lá, tendo em conta novas sondagens pífias, vedaram-lhe, de vez, as pretensões presidenciais.

Tentou então eleger-se senador pelo caminho mais fácil, São Paulo, forjando uma morada falsa para fingir que era paulista. Apanhado, lá acabou eleito pelo Paraná natal, não sem antes trair e derrotar um padrinho político. E, talvez, cometido ilícitos em série.

Na semana passada, ao longo de uma hora, Moro teve de se defender, por ironia do seu trágico destino, perante um ex-colega no Tribunal Regional Eleitoral do Paraná de acusações de abuso de poder económico, uso indevido dos meios de comunicação e crimes de corrupção eleitoral naquela candidatura ao Senado.

"Não, doutor, esse valor foi gasto pelo partido com vários candidatos e não especificamente com mim [sic]", justificou-se, num trecho que fez as delícias da internet.

Moro, entretanto, recusou-se a responder aos advogados dos partidos que interpuseram a ação, que pode resultar na perda do mandato. Esses partidos são, nada menos, do que o PL, de Bolsonaro, e o PT, de Lula, numa aliança improvável contra um inimigo comum.

Ou seja, Moro conseguiu uma proeza ao alcance de Hitler. "Se o Hitler invadir o inferno, eu sou capaz até de fazer um elogio ao diabo na Casa dos Comuns", disse Churchill, segundo o seu secretário John Colville, a propósito da aliança improvável com Estaline às vésperas da invasão da URSS.

"Oh, como é difícil esta vida de político por comparação com a de juiz", pensará Moro. Na magistratura, bastava-lhe mandar a polícia fazer buscas às casas dos rivais, chamar a televisão para filmar tudo, prendê-los a seguir, sem precisar de dar muitas explicações, além de uns despachos mal redigidos e ser vitoriado pelo povo como um corajoso justiceiro.

No fundo, é como se um árbitro de futebol parcial se transformasse, de repente, em jogador, obrigado a disputar a bola, a marcar e a evitar golos. Quanto valeria no meio dos futebolistas? Sem a autoridade que lhe é concedida pelo apito na boca, nada.

Privado do martelo de juiz e sujeito a regras, a votos, às caneladas dos adversários, ao escrutínio da imprensa e, até, aos humores de juízes que, ao contrário dele, não abandonaram a profissão embriagados pela fama, Moro não vale nada.

Jornalista, correspondente em São Paulo

QOSHE - Como era fácil ser juiz, dr. Moro - João Almeida Moreira
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Como era fácil ser juiz, dr. Moro

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14.12.2023

Sergio Moro aprendeu uma dura lição: um medíocre consegue passar mais ou menos despercebido nos bastidores da magistratura; no palco da política é imediatamente escancarado.

Depois de perseguir políticos por cerca de quatro anos com "parcialidade" (a conclusão é do Supremo Tribunal Federal), o ex-juiz tornou-se um deles ao aceitar, em 2018, ser "superministro" do mais cretino Governo da história brasileira.

Só em 2020, um ano e meio depois de conviver com analfabetos, desmatadores, negacionistas, terraplanistas, genocidas, ladrões de joias e racistas, é que percebeu que o então presidente o usava apenas para blindar a família e os amigos milicianos de problemas judiciais. E saiu.

Em 2022, achando-se capaz de carregar a bandeira de uma suposta terceira via a Bolsonaro e ao mesmo Lula que mandara prender, concorreu a presidente........

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