Maceió, capital de Alagoas, é conhecida como "cidade sorriso", graças à hospitalidade dos maceioenses, ou como "paraíso das águas", por causa da limpidez da costa.

Na cidade de um milhão de habitantes banhada por praias e com temperaturas em redor de 30 graus todo o ano, nasceram Floriano Peixoto, o segundo presidente da República do Brasil, e cresceu Collor de Mello, o primeiro chefe de Estado eleito pelo povo após o regime militar de 1964 a 1985.

E o músico Djavan, o cineasta Cacá Diegues, o futebolista e treinador pluricampeão Mário Zagallo ou o ator Paulo Gracindo, nascido no Rio de Janeiro por acaso, segundo o próprio, mas criado na cidade.

Se não conhece Maceió, há, portanto, muitos motivos para conhecer. Mas apresse-se: a cidade está a afundar.

As autoridades locais mantêm em "alerta máximo" por "risco iminente de colapso" um bairro inteiro, Mutange, e todas as regiões em redor, onde centenas de milhares de moradores, além dos 60 mil já desalojados, sofrem com rachaduras nas casas e o drama iminente de as verem cair na própria cabeça, por culpa da infame Mina 18.

A Mina 18 é uma das 35 cavernas abertas pela gananciosa extração de sal-gema, matéria prima para vidro, papel ou detergentes, pela Braskem, uma empresa petroquímica de atuação global propriedade da Novonor (ex-Odebrecht, a empresa privada protagonista do escândalo do Petrolão investigado na Operação Lava-Jato) e da Petrobras (a outra empresa, no caso pública, protagonista do escândalo do Petrolão investigado na Operação Lava-Jato).

A exploração começou em 1970. Os primeiros alertas de risco de desabamento em 1980. Os segundos, em 2010. Até o Serviço Geológico do Brasil concluir, em 2022, que a principal causa dos afundamentos é a exploração inadequada do subsolo.

Mas deixemos os problemas de Maceió de lado e viajemos para o Dubai, cidade e emirado onde nada afunda, só emerge, como a inútil Burj Khalifa, a roçar o céu no alto dos seus 830 metros.

Por lá, decorre a COP28, onde o Brasil preparou um dos maiores pavilhões da cimeira, com 400 m2, dois andares e 120 debates do mais alto interesse, dos quais podemos destacar quatro: "O papel da indústria na economia circular de carbono neutro"; "Os Impactos da mudança do clima e a necessidade de adaptação da indústria"; "A importância da elaboração do inventário de emissões como uma ferramenta para aumentar a competitividade das organizações"; e "A relevância estratégica da economia circular para a mitigação das emissões".

Em todos eles, participariam, animadamente, representantes da Braskem, a empresa responsável pela Mina 18, pelo desalojamento de milhares de maceioenses, pelo afundamento vertical de uma capital estadual do Brasil.

"Participariam" porque, sob pressão da imprensa, a Braskem decidiu retirar-se daqueles debates "para evitar que o assunto [o afundamento de Maceió] sobrepujasse quaisquer outras discussões técnicas".

E ia, seguramente, sobrepujar: à mesma hora da nota da empresa, a Defesa Civil de Maceió emitia outra a afirmar que o deslocamento vertical acumulado nos últimos dias é de 1,87 metros (um Gyökeres!), a um ritmo de seis centímetros por dia, e que uma área idêntica ao Estádio do Maracanã pode cair a qualquer instante.

Cantam que o Brasil é "bonito por Natureza", graças a lugares como Maceió, e "abençoado por Deus", por, entre outros motivos, não ter falhas sísmicas - não tinha até, das profundezas, aparecer a Braskem.

Jornalista, correspondente em São Paulo

QOSHE - De Maceió ao Dubai - João Almeida Moreira
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

De Maceió ao Dubai

3 0
07.12.2023

Maceió, capital de Alagoas, é conhecida como "cidade sorriso", graças à hospitalidade dos maceioenses, ou como "paraíso das águas", por causa da limpidez da costa.

Na cidade de um milhão de habitantes banhada por praias e com temperaturas em redor de 30 graus todo o ano, nasceram Floriano Peixoto, o segundo presidente da República do Brasil, e cresceu Collor de Mello, o primeiro chefe de Estado eleito pelo povo após o regime militar de 1964 a 1985.

E o músico Djavan, o cineasta Cacá Diegues, o futebolista e treinador pluricampeão Mário Zagallo ou o ator Paulo Gracindo, nascido no Rio de Janeiro por acaso, segundo o próprio, mas criado na cidade.

Se não conhece Maceió, há, portanto, muitos motivos para conhecer. Mas apresse-se: a cidade está a afundar.

As autoridades locais mantêm em "alerta máximo" por "risco iminente de colapso" um bairro inteiro, Mutange,........

© Diário de Notícias


Get it on Google Play