No início da noite de 14 de março de 2018, o ex-polícia Ronnie Lessa saiu de Vivendas da Barra, condomínio na zona oeste do Rio de Janeiro onde morava com a filha, Mohana, rumo à Lapa, no centro da cidade. Mohana era, à época, namorada de Renan, filho do vizinho, Jair Bolsonaro, e irmão mais novo de outro vizinho, Carlos Bolsonaro.

Depois de esperar horas a fio, na Lapa, pelo fim de uma palestra de Marielle Franco, do banco de trás de um carro guiado por outro ex-polícia, Lessa disparou, já no Bairro do Estácio, os 13 tiros que mataram a vereadora e o motorista Anderson Gomes. A seguir, ele e o motorista foram a um restaurante ver o jogo do Flamengo.

No ano seguinte, Lessa, considerado um atirador de elite, como todos os matadores de aluguer ligados ao Escritório do Crime, foi preso.

O Escritório do Crime é uma milícia fundada e liderada por Adriano da Nóbrega, o criminoso cuja mãe e ex-mulher faziam parte do gabinete de Flávio Bolsonaro, que o condecoraria com a Medalha Tiradentes, a mais prestigiada do Estado do Rio, na Assembleia Legislativa carioca. “Adriano foi um herói da polícia militar”, disse um dia, a propósito do chefe de Lessa, o ex-capitão Jair Bolsonaro.

Só seis anos depois do crime, a polícia chegou aos supostos autores morais: os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, milicianos que se dedicavam a ocupar ilegalmente terrenos na Zona Oeste do Rio aonde o Estado não chega, a construir imóveis e a cobrar aos moradores pelas casas, pela água, pela luz, pelo gás, pelo esgoto e pela internet em troca de suposta proteção contra traficantes de drogas.

Marielle, segundo um espião que o Escritório do Crime infiltrou no partido dela, tentava convencer a população local a morar noutro lugar. E esse foi o motivo, acredita a polícia, para os Brazão contratarem, primeiro, o vizinho de Bolsonaro para executar o crime e, depois, o delegado da polícia que se encarregou do caso, Rivaldo Barboza, para obstruir as investigações.

A prisão de um deles, Chiquinho, por ser deputado federal, esteve, entretanto, até à última semana dependente da Câmara dos Deputados: conforme a Constituição Brasileira, se a maioria dos seus pares assim o determinasse, ele sairia da cadeia.

Por 277 votos a 129, porém, os parlamentares optaram por manter preso o alegado assassino moral de Marielle. Para os 129 votos vencidos, contribuíram 71 do PL, o partido de Bolsonaro. “Eu não posso admitir que se atropele a Constituição que fala que nós, deputados, só podemos ser presos em flagrante de crime inafiançável”, lamentou Eduardo Bolsonaro, o deputado do PL mais inconformado com a derrota.

Porém, no projeto em discussão na Câmara também por esta altura sobre saídas temporárias de presos detidos por delitos leves em datas comemorativas, como o Dia da Mãe, do Pai ou o Natal, Eduardo votou contra. O mote dele, portanto, é: “Para o ladrão de carteiras, a mão impiedosa da lei; para o assassino de Marielle, a compaixão da justiça.”

Eduardo é irmão de Flávio, aquele que condecorou o chefe do Escritório do Crime e abrigou a família dele no seu gabinete. E de Carlos, que, como Jair, mora umas casas ao lado de onde Ronnie Lessa, ex-sogro de Renan, outro filho do ex-presidente, saiu naquela noite de 14 de março de 2018 para disparar os 13 tiros que mataram Marielle, cuja memória continua a pairar sobre o bolsonarismo.

QOSHE - Memória de Marielle mete medo - João Almeida Moreira
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Memória de Marielle mete medo

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18.04.2024

No início da noite de 14 de março de 2018, o ex-polícia Ronnie Lessa saiu de Vivendas da Barra, condomínio na zona oeste do Rio de Janeiro onde morava com a filha, Mohana, rumo à Lapa, no centro da cidade. Mohana era, à época, namorada de Renan, filho do vizinho, Jair Bolsonaro, e irmão mais novo de outro vizinho, Carlos Bolsonaro.

Depois de esperar horas a fio, na Lapa, pelo fim de uma palestra de Marielle Franco, do banco de trás de um carro guiado por outro ex-polícia, Lessa disparou, já no Bairro do Estácio, os 13 tiros que mataram a vereadora e o motorista Anderson Gomes. A seguir, ele e o motorista foram a um restaurante ver o jogo do Flamengo.

No ano seguinte, Lessa, considerado um atirador de elite, como todos os matadores de aluguer ligados ao Escritório do Crime, foi preso.

O Escritório do Crime é uma milícia........

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