Em 2015, o correspondente do DN no Brasil - o autor deste texto - propôs ao jornal uma entrevista com Tiririca, o palhaço recordista de votos sob o slogan “Vota em mim, pior que está não fica”, e outra com Jair Bolsonaro, porque o então deputado era visto no país, tal e qual Tiririca, como uma personagem entre o cómico e o grotesco - ainda é, na verdade.

Entretanto, em 2017, o mesmo correspondente do DN no Brasil - o autor deste texto, portanto - desafiou-se a entrevistar todos os candidatos presidenciais às eleições do ano seguinte. Falou com Ciro Gomes, por e-mail, com Guilherme Boulos, por telefone, foi recebido no gabinete do então professor universitário e ex-prefeito Fernando Haddad, errou o alvo ao conversar com João Doria em vez de Geraldo Alckmin, porque ambos chegaram a disputar a nomeação pelo PSDB, e, claro, ligou para Bolsonaro.

Como o assessor se lembrava do papo de 2015, colocou logo o telefone na orelha do candidato. Bolsonaro começou por advertir que se a palavra “nazi” fosse usada no texto, como fora dois anos antes, caberia um processo, mas acabou a elogiar Cristiano Ronaldo por este, mesmo lesionado, ter sido decisivo do banco na final do Euro2016.

No fim, o tal correspondente do DN - que, já não será preciso dizer, é o autor deste texto - pensou algo do tipo: “Este gajo, assim como o Lula, fala com o interlocutor como se o conhecesse há anos, como se estivesse numa mesa de bar, entre cervejas, com descontração, com proximidade, deve ser a isto que se chama ‘carisma’.” E num golpe de ingénua perspicácia, prognosticou: “Como há malucos para tudo, não me admirava se tivesse uns 20% nas eleições.” Meses depois, Bolsonaro somou 55% dos votos, subiu a rampa do Planalto e desmoralizou aquele prognóstico.

E o prognóstico falhou porque o repórter não quis acreditar que o eleitorado do Brasil, país onde mora desde 2011 e já sente como seu, se deixasse iludir por um discurso raso, imbecil, falso moralista, extremista, racista e fascistóide (é melhor evitar a palavra ‘nazi’).

Mas os sinais de uma votação estrondosa estavam lá todos, escancarados.

Em primeiro lugar, por essa altura já havia precedentes, Brexit e Trump. Em segundo, como a Lava Jato atingira membros de 33 partidos, a população desenvolveu um perigoso sentimento antipolítica - “é tudo a mesma bosta”, dizia-se - e partiu à procura de um suposto outsider. Finalmente, as fake news nas redes sociais revelaram-se um fenómeno brutal, porque uma rede transnacional de desinformação já estava em funcionamento e porque jamais se deve subestimar o poder eleitoral da cretinice, da religião e do medo - uma “notícia de jornal” a dizer que, se eleito, Haddad decidiria o género das crianças do Brasil até aos 6 anos foi partilhada em massa, por exemplo. E, claro, ainda houve Adélio Bispo, o louco que, em Juiz de Fora, deu a facada final na lucidez do país.

Atenção, pois, até dia 10, a todos os movimentos, inclusivamente, a facadas de última hora.

Em suma: o absurdo acontece, como aconteceu no Brexit de Boris Johnson, nos EUA de Donald Trump, no Brasil de Bolsonaro, na Argentina de Javier Milei e pela Europa fora por mais que boa parte dos britânicos, dos americanos, dos brasileiros, dos argentinos e dos europeus acreditasse que “aqui, não!”

Só acreditar não chega - não chega - é o conselho do correspondente do DN no Brasil e autor deste texto.

QOSHE - No Brasil já se viu este filme - João Almeida Moreira
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No Brasil já se viu este filme

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07.03.2024

Em 2015, o correspondente do DN no Brasil - o autor deste texto - propôs ao jornal uma entrevista com Tiririca, o palhaço recordista de votos sob o slogan “Vota em mim, pior que está não fica”, e outra com Jair Bolsonaro, porque o então deputado era visto no país, tal e qual Tiririca, como uma personagem entre o cómico e o grotesco - ainda é, na verdade.

Entretanto, em 2017, o mesmo correspondente do DN no Brasil - o autor deste texto, portanto - desafiou-se a entrevistar todos os candidatos presidenciais às eleições do ano seguinte. Falou com Ciro Gomes, por e-mail, com Guilherme Boulos, por telefone, foi recebido no gabinete do então professor universitário e ex-prefeito Fernando Haddad, errou o alvo ao conversar com João Doria em vez de Geraldo Alckmin, porque ambos chegaram a disputar a nomeação pelo PSDB, e, claro, ligou para........

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