Eu não quero fazer corte de investimentos em obras, se o Brasil tiver um défice de 0,25% ou de 0,5%. Isso é absolutamente nada, dificilmente, portanto, o Governo vai conseguir alcançar a meta de zero no défice orçamental em 2024", disse Lula da Silva, presidente do Brasil, ao responder à última das perguntas dos jornalistas num seleto pequeno-almoço no Palácio do Planalto, por estes dias.

No nano centésimo seguinte, o hipersensível mercado fez a bolsa cair e o dólar subir. Horas depois, os holofotes das televisões encandearam Fernando Haddad, o ministro das Finanças que havia prometido o tal zero e que, com a declaração do chefe, passou por desautorizado e ultrapassado. A oposição foi para as redes sociais amplificar a crise. Os políticos do Centrão, a entidade que mantém os governos, uns depois dos outros, reféns do seu apetite e suga tudo o que pode dos cofres do Estado, esfregaram as mãos, certos de que ninguém se beneficiará mais do que eles da implosão da tal meta. Os editoriais dos jornais denunciaram a "típica gastança do Partido dos Trabalhadores". E o próprio PT, numa saia justa, disse que sim, que não, que talvez.

O problema está, sem dúvida, no emissor.

Lula cometeu a enésima gafe desde que se tornou presidente da República. Enésima não, a quadragésima, segundo contabilidade do site Poder360. Outros veículos de comunicação social falam num número de lapsos mais alto ou mais baixo, consoante o critério contabilístico. Há quem divida os deslizes por categoria - ofensas a minorias, disparates diplomáticos, trapalhadas económicas, imprecisões históricas, faltas jurídicas. Os mais exatos optam por cálculos do tipo 1,2 gafes semanais, cinco mensais, 0,03 por minuto ou coisa que o valha.

Lula iniciou a carreira política a falar de megafone em cima do capô de carros estacionados em parques de estacionamento ao lado das fábricas metalúrgicas de São Bernardo do Campo. E, hoje, ainda é nos discursos roucos de improviso, aqueles que começam com "companheiros e companheiras", que obtém os melhores resultados. Aliás, a maioria das gafes listadas na comunicação social ocorreu quando ele estava, contra a sua natureza, de fato, gravata, óculos sobre o nariz e meia dúzia de papéis escritos por outrem à frente.

Mas o problema está também no recetor.

Se o presidente fala em gastos, o mercado eriça o pelo como um gato molhado, se fala em cortes, os sindicatos agitam bandeiras vermelhas, se toca na palavra "aborto", os evangélicos benzem-se logo, se se esquece de dizer "companheiras e companheiros", por esta ordem, as progressistas, a começar pela primeira-dama Janja da Silva, puxam-lhe a orelha imediatamente, se pede paz, o Zelensky ofende-se, se fala em negociações, o Netanyahu repudia. E se fica calado é sinal de que não tem o que dizer, que ficou sem palavras, que está velho, que deve estar doente.

Entretanto, desde a declaração sobre o défice, Lula já foi visto abraçado, com a mão colocada no coração do delfim Haddad, a fazer graças para a imprensa, em alegre reunião com o Centrão, muito longe de parecer preocupado com os lapsos. E os dirigentes do PT, ouvidos nos jornais, também os relativizam.

Afinal, se gafes fizessem perder eleições, o antecessor de Lula nem para vereador do Rio de Janeiro teria sido eleito.

Jornalista, correspondente em São Paulo

QOSHE - Pela boca morre o Lula?  - João Almeida Moreira
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Pela boca morre o Lula? 

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09.11.2023

Eu não quero fazer corte de investimentos em obras, se o Brasil tiver um défice de 0,25% ou de 0,5%. Isso é absolutamente nada, dificilmente, portanto, o Governo vai conseguir alcançar a meta de zero no défice orçamental em 2024", disse Lula da Silva, presidente do Brasil, ao responder à última das perguntas dos jornalistas num seleto pequeno-almoço no Palácio do Planalto, por estes dias.

No nano centésimo seguinte, o hipersensível mercado fez a bolsa cair e o dólar subir. Horas depois, os holofotes das televisões encandearam Fernando Haddad, o ministro das Finanças que havia prometido o tal zero e que, com a declaração do chefe, passou por desautorizado e ultrapassado. A oposição foi para as redes sociais amplificar a crise. Os políticos do Centrão, a entidade que mantém os governos, uns depois dos outros, reféns do seu........

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