No atual cenário da economia global, as formas de pagamento e transações têm passado por uma transformação significativa impulsionada pela rápida evolução tecnológica. Desde aplicações móveis de homebanking ao contactless, assistimos a uma mudança radical nos hábitos financeiros das sociedades. No entanto, mesmo com todas estas inovações, o numerário ainda desempenha um papel crucial em diversas comunidades e para determinados segmentos da população, como os mais idosos, pessoas com menos escolaridade ou com menores rendimentos. Em Portugal, tal como na área do euro, o dinheiro físico continua a ser o instrumento de pagamento mais frequentemente utilizado nos pontos de venda.
Olhando para este cenário, torna-se ainda mais importante analisar a extensão de pontos de acesso ao dinheiro no nosso país. De acordo com a versão mais recente do estudo do Banco de Portugal, relativo à “Avaliação da cobertura da rede de caixas automáticos e agências bancárias”, registou-se uma subida do número de freguesias cujas populações estão em risco de ver a sua acessibilidade ao dinheiro reduzida devido ao encerramento de balcões bancários.

As localidades identificadas no documento encontram-se no interior do país, onde residem principalmente segmentos populacionais mais envelhecidos, que começam a encontrar cada vez mais constrangimentos para levar a cabo os seus afazeres financeiros diários.

Ainda que a extensão das regiões com mais constrangimentos no acesso a numerário seja relativamente reduzida, o mesmo estudo identificou 30 freguesias – entre as quais 12 no distrito de Bragança e 8 em Vila Real –, para as quais uma eventual contração da rede poderá revelar-se mais crítica. Além destes números, é ainda possível perceber que de um total de 3092 freguesias, em 1276 não foram identificados pontos de acesso, o que equivale a 41% do total.

Apesar de Portugal ser líder da área euro em número de ATM per capita, e de 93% dos residentes considerarem fácil encontrar uma caixa automática ou um balcão para fazer levantamentos, o país encontra-se abaixo da média europeia no que toca à área coberta pela rede de balcões. Os dados do Banco de Portugal demonstram igualmente que, entre 2010 e 2021, as agências bancárias sofreram uma redução de cerca de 50%, com menos 3500 espaços de atendimento ao cliente no período indicado.

No interior, as populações cada vez mais envelhecidas de cidades e aldeias pequenas vivem sem a possibilidade de poder levar a cabo tarefas financeiras essenciais de forma ágil, tendo de desafiar constantemente as suas condições de mobilidade para simplesmente pagar as contas ou levantar dinheiro.

A solução está no equilíbrio entre a vontade de inovação tecnológica que impulsiona o setor financeiro nacional e a satisfação das necessidades de todos os consumidores. A digitalização e a sofisticação das soluções financeiras são passos efetivamente necessários que as entidades bancárias devem tomar. Não obstante, o progresso nesta vertente não pode obstruir a melhoria das estruturas de funcionamento já existentes, uma vez que no contexto do nosso país várias pessoas ainda dependem das mesmas.

É fundamental que, paralelamente ao desenvolvimento personalizado das aplicações digitais, se desenvolvam também novas formas de aproximarmos os serviços financeiros aos cidadãos. A tarefa começa por voltarmos a descentralizar o setor, fazendo uma distribuição de pontos de atendimento físico mais igualitária pelo território nacional, observando as diferentes necessidades que os municípios e as suas populações revelam.

Com o crescente fenómeno dos nómadas digitais e o aumento do trabalho remoto, cada vez mais pessoas optam por se mudar para o interior do país em busca de uma melhor qualidade de vida, um movimento impulsionado não apenas pela tranquilidade das regiões rurais, mas também pelo aumento dos preços da habitação nas grandes cidades portuguesas. E esta mudança para áreas menos urbanizadas vem muitas vezes acompanhada de desafios, especialmente no que diz respeito à acessibilidade aos serviços financeiros.

As mudanças poderão passar pela adaptação de outros espaços públicos a locais onde pelo menos os movimentos financeiros do dia a dia poderão ser realizados através do acompanhamento de intermediários formados com competência neste sentido. Serviços cash-in-shop, onde os clientes podem fazer transações e pagamentos em estabelecimentos comerciais, são disso exemplo, como explica o estudo referido anteriormente.

Desbloquear a situação complexa que os serviços financeiros registam em zonas menos urbanizadas de Portugal é premente e essencial à própria prosperidade económica do país. O bem-estar económico das populações também depende do seu nível de acesso às entidades financeiras e a ações tão simples quanto poder levantar dinheiro para utilizar no quotidiano. A promoção da inclusão financeira deve tornar-se uma tendência tão relevante para o setor financeiro quanto a integração das últimas incursões tecnológicas na experiência do consumidor.

* CEO da Nickel em Portugal

QOSHE - O êxodo rural dos ATM - João Guerra
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

O êxodo rural dos ATM

8 1
27.02.2024


No atual cenário da economia global, as formas de pagamento e transações têm passado por uma transformação significativa impulsionada pela rápida evolução tecnológica. Desde aplicações móveis de homebanking ao contactless, assistimos a uma mudança radical nos hábitos financeiros das sociedades. No entanto, mesmo com todas estas inovações, o numerário ainda desempenha um papel crucial em diversas comunidades e para determinados segmentos da população, como os mais idosos, pessoas com menos escolaridade ou com menores rendimentos. Em Portugal, tal como na área do euro, o dinheiro físico continua a ser o instrumento de pagamento mais frequentemente utilizado nos pontos de venda.
Olhando para este cenário, torna-se ainda mais importante analisar a extensão de pontos de acesso ao dinheiro no nosso país. De acordo com a versão mais recente do estudo do Banco de Portugal, relativo à “Avaliação da cobertura da rede de caixas automáticos e agências bancárias”, registou-se uma subida do número de freguesias cujas populações estão em risco de ver a sua acessibilidade ao dinheiro reduzida devido ao encerramento de balcões bancários.

As localidades identificadas no documento encontram-se no interior do país, onde residem principalmente segmentos........

© Diário de Notícias


Get it on Google Play