Da burrice (1). Hesitei. Será provavelmente muito estúpido falar disto. O caso deveria ser rapidamente atirado para o Arquivo das Notícias Que Não Têm Direito A 15 Segundos de Atenção. Lixo - e não se volta a falar no assunto! Só que não. Eles prometem voltar a atacar. E a acrescentar mais estupidez à já imensa que vai inundando, em vagas sucessivas, o espaço público nacional. Talvez alguém leia isto e outras opiniões semelhantes. Talvez haja quem lhes consiga pôr tino na cabeça. Talvez, talvez, talvez...

Estou a falar da história dos miúdos que incendiaram um cartaz do Chega em Lisboa. Nem tenho a mania de ter uma indignação por dia a pensar no bem que me faria. Contudo, perante isto, uma pessoa tende a ter ataques de Tourette. Isto quando se fica a saber que o outdoor foi orgulhosamente incendiado por um coletivo qualquer que se diz “antifascista” e “antirracista” e que promete mais ações do género. Isto é tão profundamente burro, tão incomensuravelmente estúpido, que é fácil derivar para teorias conspiracionistas e começar a cogitar na possibilidade de esta miudagem constar na folha de pagamentos de quem quer ver o Chega crescer.

É que só pode. Porque sabemos bem do imenso talento do dr. Ventura para construir um partido onde todo o machismo tóxico se sente confortável. E porque sabemos também daquele talento próprio dos machistas tóxicos que é o de passarem o tempo como crianças mimadas a fazerem-se de vítimas de supostas maldades de outros meninos no recreio, como se andar no recreio da política não implicasse umas vezes dar e outras levar.

Parabéns, então, aos incendiários. O dr. Ventura agradece-lhes. Ainda para mais porque, na sua incompetência pirómana, os “antifascistas” colaboracionistas do Chega fizeram com que a única coisa que se salvasse visível no outdoor fosse a fotografia do dr. Ventura e o símbolo do partido.

Da burrice (2). Tem sido interessante seguir as (enormes) manifestações promovidas nos últimos meses em defesa do direito à habitação (digo-o sem qualquer ironia).

Sabemos como não podem deixar de contar na organização com a colaboração de veteranos formados na ação partidária. Mas isso não retira mérito ao caráter supra partidário dos organizadores e das respetivas plataformas, muitas delas ligadas a um generoso associativismo de bairro.

Dada a dimensão das manifestações, é natural que nelas se encavalitem vários ativismos, para lá dos que lutam pelo direito à habitação. Estão de resto assumidos nos manifestos promotores: vão do SOS Racismo à ILGA, passando pela Greve Climática Estudantil e dezenas de outros, de todo o tipo de empenhamentos.

É portanto natural que, às costas de quem legitimamente luta pelo direito à habitação, apareça quem ache que Israel está a praticar, hoje como sempre, um genocídio sobre os palestinianos. E quem até consiga o milagre de ligar os dois assuntos fazendo cartazes, como foram feitos para a última manifestação da plataforma Casa Para Viver, no caso a realizada no Porto, a dizer “recusamos ser inquilinos de sionistas assassinos” e “fora o capital sionista”.

Sabemos como o antissionismo é, na verdade, o biombo por detrás do qual se escondem os antissemitas que têm vergonha de parecer antissemitas. E sabemos também como o antissemitismo é uma das muita dimensões do problema geral da xenofobia e da intolerância étnica. Talvez fosse importante à Casa Para Viver demarcar-se, nem que seja para dizer que não deixa estragar o seu combate por outros que nada têm a ver. Mas não. Ouvida pelo DN, a plataforma recusou demarcar-se: “Não fazemos controlo e censura dos panos”, disse uma porta-voz.

A Casa para Viver, pelos vistos, não se importa de ser o Cavalo de Troia para causas xenófobas. Está a dar cabo da sua luta principal e é pena. Aparentemente, lá não sabem como o antissemitismo é a ideologia (chamemos-lhe assim, por facilidade de linguagem) onde alguma extrema-esquerda se conecta com alguma extrema-direita. E xenofobia é xenofobia, seja contra judeus (sionistas ou não), ciganos ou imigrantes em geral.

Em suma: estes dois episódios, dos últimos dias, provam que o dr. Ventura está muito bem servido de aliados. Aos que assumidamente o são acrescentam-se os que fingidamente se lhe opõem.

Jornalista do DN

QOSHE - Duas notas sobre a burrice extrema - João Pedro Henriques
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Duas notas sobre a burrice extrema

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31.01.2024

Da burrice (1). Hesitei. Será provavelmente muito estúpido falar disto. O caso deveria ser rapidamente atirado para o Arquivo das Notícias Que Não Têm Direito A 15 Segundos de Atenção. Lixo - e não se volta a falar no assunto! Só que não. Eles prometem voltar a atacar. E a acrescentar mais estupidez à já imensa que vai inundando, em vagas sucessivas, o espaço público nacional. Talvez alguém leia isto e outras opiniões semelhantes. Talvez haja quem lhes consiga pôr tino na cabeça. Talvez, talvez, talvez...

Estou a falar da história dos miúdos que incendiaram um cartaz do Chega em Lisboa. Nem tenho a mania de ter uma indignação por dia a pensar no bem que me faria. Contudo, perante isto, uma pessoa tende a ter ataques de Tourette. Isto quando se fica a saber que o outdoor foi orgulhosamente incendiado por um coletivo qualquer que se diz “antifascista” e “antirracista” e que promete mais ações do género. Isto é tão profundamente burro, tão incomensuravelmente estúpido, que é fácil derivar para teorias conspiracionistas e começar a cogitar na........

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